domingo, 31 de agosto de 2014

Teoria e História no 31 (II). A Cultura em Portugal. António José Saraiva. «Coimbra é, o centro da resistência de D. Sancho II na guerra que lhe moveu o seu irmão, que desembarcou em Lisboa e dela fez o ponto de partida da sua ofensiva»

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«(…) Mas se quisermos indicar a zona densa donde partia a irradiação para leste e para sul temos de nos limitar à nesga de terra que constituíra o território dos condes portucalenses, uma região à volta de Portucale, que abrange Braga e Guimarães e se prolonga no território de Coimbra, incluindo Viseu e Lamego. E a gente aqui acumulada que inicialmente constitui Portugal. Esta região ainda hoje é a parte mais densamente povoada e mais tradicionalista do País, e foi dela que partiu a ocupação do resto. Não havia nesta região pobre, embora povoada, uma só cidade importante à escala peninsular, comparável a Burgos, Santiago de Compostela, Leão, Toledo, Saragoça ou Sevilha. Braga, antiga capital romana da Galiza, era uma velha cidade episcopal, Guimarães, um pequeno núcleo de homens de negócio e cavaleiros, Viseu e Lamego, povoações antigas que se tornaram sedes episcopais nos princípios da monarquia. Quanto ao Porto, nos tempos que imediatamente precederam a fundação do reino, não existia ainda, a não ser como arrabalde incipiente de Portucale, uma cidade episcopal visigótica no lado esquerdo do Douro, onde está hoje Vila Nova de Gaia; durante os primeiros dois reinados da monarquia cresceu de uma forma galopante e selvagem na outra margem, até se tornar um considerável burgo e um porto de comerciantes e de mercadores, em relação com o Norte da Europa e procurando libertar-se da tutela senhorial do bispo. Era uma cidade de plebeus e sem tradições, a não ser a da revolta contra o senhor. A verdadeira cidade tradicional era então Coimbra, onde porventura permanecia a reminiscência das instituições municipais romanas, cidade moçárabe que já nos tempos do conde Sesnando (1064-1092) fora sede do estado condal e também sede de bispado desde 1080. Ali se fundaram, além da Sé, o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde o rei recrutava os seus escribas e chanceleres e onde eram depositados documentos oficiais. Cibdat real lhe chamava a Crónica General de España de Afonso X, no tempo de Sancho II ou Afonso III, o que significava que era uma cidade importante no reino de Portugal, conquanto do ponto de vista ibérico devesse considerar-se como uma pequena capital de uma província pobre e distante. Para sul, já fora do núcleo inicial, em regiões recentemente conquistadas, Lisboa e Santarém encerram uma considerável população moçárabe e estão envolvidas por uma população agrícola moura escrava ou livre. Mais para sul, Évora e Alcácer do Sal, só definitivamente conquistadas no tempo de Afonso III, parecendo esta perder o seu esplendor antigo desde a ocupação cristã. Afonso Henriques, como o conde Sesnando, reside ordinariamente em Coimbra, como também os três reis seguintes. Mas Sancho I faz já longas estadas em Santarém. Coimbra é, o centro da resistência de D. Sancho II na guerra que lhe moveu o conde de Bolonha, seu irmão, que desembarcou em Lisboa e dela fez o ponto de partida da sua ofensiva. É só no reinado de Afonso III que Lisboa, já então cidade importante, se torna assento frequente da corte. Este rei era talvez o principal proprietário de casas e mercados na cidade. Notemos que Afonso Henriques subsidia largamente as sés de Lisboa, Coimbra, Porto, Braga, Viseu, Lamego e Évora, além do Mosteiro de Alcobaça, que então se edificava num lugar solitário. Estes templos não correspondem à importância dos núcleos urbanos onde se construíam». In António José Saraiva, A Cultura em Portugal, Gradiva, Lisboa, 1991.

Cortesia Gradiva/JDACT