sábado, 30 de agosto de 2014

Paradoxo do Progresso Ilimitado das Ciências. Fulcanelli. «Interroguem um camponês e ele dirá que a terra está a morrer, que as estações andam trocadas e que mudou o clima. Tudo o que vegeta sofre de falta de seiva e de resistência»

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Os domínios do mistério prometem as mais belas experiências. In Einstein

«A todos os filósofos, às gentes instruídas quaisquer que sejam, aos sábios especializados e aos simples observadores, permitimo-nos fazer esta pergunta: Por acaso já reflectistes nas consequências fatais que resultarão dum progresso ilimitado? Já por causa da multiplicidade de conquistas científicas, o Homem só consegue viver à custa de energia e de resistência, num ambiente de actividade trepidante, febril e malsã. Criou a máquina que centuplicou os seus meios e o seu poder de acção, mas tornou-se escravo e vítima dela: escravo durante a paz, vítima durante a guerra. A distância deixou de ser obstáculo para ele; transporta-se com rapidez dum ponto a outro do Globo, por via aérea, marítima e terrestre. Não vemos, porém, estas facilidades de deslocação tornarem-no melhor ou mais feliz; pois se o adágio pretende que as viagens formam a juventude, não parece que contribuam para fortalecer os laços de concórdia e fraternidade que deviam unir os povos. Nunca as fronteiras foram mais guardadas do que hoje. O Homem possui a maravilhosa faculdade de exprimir o seu pensamento e de fazer ouvir a sua voz até às mais longínquas regiões; e, no entanto, esses mesmos meios impõem-lhe novas necessidades. Pode emitir e registar as vibrações luminosas e sonoras, sem com isso ganhar mais do que uma vã satisfação de curiosidade, senão uma sujeição pouco favorável à sua elevação intelectual. Os corpos opacos tornaram-se permeáveis a seu olhar, e, se lhe é possível sondar a matéria grave, em compensação que sabe ele de si mesmo, quer dizer da sua origem, da sua essência e do seu destino? Aos desejos satisfeitos sucedem outros desejos insaciados. Insistimos nisto: o Homem quer andar depressa, cada vez mais depressa, e esta agitação torna insuficientes as possibilidades de que ele dispõe. Arrebatado pelas suas paixões, as suas cobiças e as suas fobias, o horizonte das suas esperanças recua indefinidamente. É a doida corrida para o abismo, a constante usura, a actividade impaciente, furiosa, aplicada sem trégua nem repouso. Na nossa época, disse com inteira justeza Júlio Simon, temos de caminhar ou correr: quem pára está perdido. Com esta cadência, com este regime, a saúde física periga. Apesar da difusão e observação das regras de higiene, de medidas profilácticas, a despeito de inumeráveis processos terapêuticos e da acumulação de drogas químicas, a doença prossegue nos seus estragos com incansável perseverança. E, por sinal, a luta organizada contra os flagelos conhecidos parece ter só como resultado fazer dali surgir outros, novos, mais graves e mais refractários.
A própria natureza dá inequívocas notícias de cansaço: torna-se preguiçosa. À força de adubos químicos, o agricultor obtém agora colheitas de valor mediano. Interroguem um camponês e ele dirá que a terra está a morrer, que as estações andam trocadas e que mudou o clima. Tudo o que vegeta sofre de falta de seiva e de resistência. As plantas definham, é um facto verificado oficialmente, e mostram-se incapazes de reagir contra a invasão dos insectos parasitas ou o ataque das doenças de micélio. Enfim, não damos novidade alguma ao dizer que a maior parte das descobertas, orientadas de começo para o acréscimo do bem-estar humano, são rapidamente desviadas da sua finalidade e aplicadas especialmente na destruição. Os instrumentos de paz mudam-se em engenhos de guerra e bem se conhece o papel preponderante que a ciência desempenha nas conflagrações modernas. Tal é, ai de nós!, o objectivo final, o resultado da investigação científica; e tal é também a razão pela qual o homem que a prossegue com esta intenção criminosa invoca sobre si a justiça divina e se vê necessariamente condenado por ela. A fim de evitar a acusação (que, apesar disso, lhes foi feita) de perverter os povos, os Filósofos recusaram-se sempre a ensinar claramente as verdades que tinham adquirido ou recebido da antiguidade. Bernardino de Saint-Pierre mostra conhecer esta regra de sabedoria quando declara, ao fim da Chaumière Indienne (Cabana Indiana): Deve-se procurar a verdade com um coração simples; será encontrada na natureza; não se deve dizê-la senão à gente de bem. Por ignorância ou desprezo desta condição prévia, o exoterismo lançou a desordem no seio da humanidade». In Fulcanelli, 1930, Les Demeures Philosophales, 1965, As Mansões Filosofais, colecção Esfinge, Edições 70, Lisboa, 1977.

Cortesia de E70/JDACT