domingo, 3 de agosto de 2014

Um Rei Avesso à Política. Fernando II. Maria Antónia Lopes. «Em 1796 a tia Juliana, terceira filha do duque Francisco Frederico, casou com Constantino Romanov, neto de Catarina II, a Grande, e filho do seu herdeiro, Paulo. A czarina, germânica de nascimento, que depois de várias tentativas fracassadas para casar o neto com uma princesa alemã…»

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Antes de Portugal (1816-1836). A família Coburgo
«O futuro rei Fernando II de Portugal nasceu em Viena a 29 de Outubro de 1816. Foi baptizado com os nomes Ferdinand August Franz Anton, Fernando Augusto Francisco António. Na alta sociedade, cada nome próprio homenageava alguém, em geral da família. E assim não surpreende esta sucessão de nomes: Fernando, o do pai; Augusto, o da avó paterna; Francisco, dos dois avôs, e António, o da mãe e da avó materna. Nessa época ainda não existia a Casa Saxe-Coburgo-Gotha. Os apelidos de Fernando eram Saxe-Coburgo-Saalfeld, a que se acrescentava não oficialmente Koháry, da família materna. Na Europa além-Pirenéus as mães não transmitiam, nem transmitem, os seus apelidos aos filhos. Contudo, o ramo católico austríaco da família Saxe-Coburgo, fundado em 1815 pelos pais, Fernando Jorge de Saxe-Coburgo-Saalfeld (1785-1851) e Maria Antónia Gabriela Koháry de Csábrág e Szitnya (1797-1862), passou a ser conhecido por Saxe-Coburgo-Saalfeld-Koháry e, mais tarde, Saxe-Coburgo-Gotha-Koháry, para se distinguir dos outros, que eram protestantes e coburgueses. A fortuna dos Kohárys era colossal e no império austríaco o nome era de peso.
Na altura do nascimento de Fernando Augusto, a família paterna governava os ducados de Coburgo e Saalfeld, unidos desde 1735 e situados ambos na Turíngia (embora Coburgo pertença actualmente ao estado alemão da Baviera). Tinham sobrevivido como Estado independente às guerras francesas (1792-1815), à integração na Confederação do Reno (1806-1813) e à recomposição política da Confederação Germânica concebida em 1814-1815 no Congresso de Versalhes. Como tantos outros estados germânicos, o ducado de Saxe-Coburgo-Saalfeld caíra sob domínio francês. Ocupado militarmente em Outubro de 1806, foi integrado na Confederação do Reno dois meses depois. O soberano Francisco Frederico (1750-1806), que era o avô do príncipe Fernando Augusto, faleceu nesse mesmo mês, depois de rer negociado a integração, e foi a duquesa-viúva, Augusta Reuss-Ebersdorf (1757-1831), que assumiu a regência numa posição muito delicada e perigosa. Ernesto (1784-1844), que sucederia ao pai com o título de Ernesto III, combatera nas fileiras russas e nesse ano de 1806 integrava o exército prussiano; o irmão mais novo, Leopoldo (1790-1865), embora ainda não combatente, detinha uma patente militar na Rússia; e Fernando Jorge (pai do futuro Fernando) era desde 1802 oficial nas forças armadas austríacas.
Com a paz de Tilsit, em Julho de 1807, a Casa de Coburgo foi recomposta, mas ao eclodir a guerra entre a França e a Áustria, em 1809, Napoleão exigiu que Fernando Jorge e um seu cunhado abandonassem o exército austríaco. Apesar da ameaça de julgamento em conselho de guerra, Fernando Jorge e o cunhado só fingiram acatar a ordem, continuando a combater sob falsa identidade. Não foi fácil para a mãe e os seus três filhos Ernesto, Fernando Jorge e o jovem Leopoldo preservar o ducado entre as exigências contraditórias da França, que os dominava, e os inimigos desta, a cujas cortes os Coburgos estavam ligados. Recuemos, pois, para percebermos como esta família se integrava no xadrez político da época e como já iniciara a sua espantosa ascensão, ainda antes da guerra europeia, intensificando-se a seguir. E entremos nos meandros dos seus casamentos e nascimentos para nos familiarizarmos com os muitos tios e primos do futuro Fernando II, cuja frequência de homonímia dificulta um tanto a tarefa.
Em 1796 a tia Juliana (1781-1860), terceira filha do duque Francisco Frederico e de sua mulher Augusta, casou com Constantino Romanov, neto de Catarina II, a Grande, e filho do seu herdeiro, Paulo. Fora a velha czarina, germânica de nascimento, que depois de várias tentativas fracassadas para casar o neto com uma princesa alemã, convidara os duques reinantes de Saxe-Coburgo-Saalfeld a enviar a Moscovo as suas netas mais velhas. A proposta abria óptimas perspectivas à família, que tinha pouca influência política e graves carências financeiras, obstáculos de monta a um futuro promissor para as quatro filhas e seus irmãos Fernando Jorge e Leopoldo. A mãe apresentou-se na corte imperial russa com as três filhas mais velhas: Sofia, de 17 anos, Antonieta, de 16, e Juliana, de 14. Constantino não se interessou por nenhuma, mas a avó czarina obrigou-o a escolher e a eleita foi Juliana. Assim, a jovenzinha, pouco mais do que uma criança, ficou em Moscovo, realizando-se o casamento em inícios do ano seguinte, já após a morte de Catarina II e a entronização de Paulo I. Juliana, que na Rússia passou a ser Ana Feodorovna, assegurava à família uma aliança invejável. Por essa razão, os irmãos Ernesto e Leopoldo, como já vimos, eram oficiais do exército russo. Juliana foi profundamente infeliz, maltratada pelo marido. Oito anos depois conseguiu sair da Rússia e mais tarde obteve o divórcio e instalou-se na Suíça, onde viveu à sua vontade, apesar das pressões da família para se reconciliar com o marido. Como os Coburgos, sobretudo Leopoldo, sempre mantiveram boas relações com o ilustre parente Romanov, o casamento cumpriu os seus propósitos». In Maria Antónia Lopes, D. Fernando II, Um Rei Avesso à Política, Círculo de Leitores, 2013, ISBN 978-972-42-4894-3.

Cortesia de CL/JDACT