sábado, 14 de abril de 2012

A Comunidade Cristã-Nova de Castelo de Vide, 1560 – 1580. Maria Teixeira Pinto e Lucília Ferreira Runa. «Após esses contactos e de regresso ao seio da sua própria comunidade, os cristãos-novos de Castelo de Vide que neles haviam tomado parte assumiam um papel de relevo na difusão e fortalecimento do criptojudaísmo, contribuindo grandemente para o manter vivo. No final da década de 70 alguns destes elementos promovem ajuntamentos…»



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Breve análise dos seus comportamentos
«A comunidade cristã-nova de Castelo de Vide no período compreendido entre 1560 e l580 caracteriza-se pela importância assumida pelos contactos externos; que vão ser determinantes na definição das linhas fundamentais do seu comportamento.
A mobilidade interna dos seus elementos reveste-se de dois aspectos distintos: contactos meramente ocasionais, e o que determinámos chamar ajuntamentos, os primeiros podiam ocorrer em circunstâncias diversas:
  • no período em que decorrem as feiras frequentadas por alguns dos membros da comunidade;
  • no percurso de ida ou de volta das mesmas, ou de outros locais onde são obrigados a deslocar-se por motivos de ordem vária;
  • nos locais onde pousam por ocasião das deslocações efectuadas;
  • na própria comunidade, com os que do exterior a e1a se deslocam.
Demonstra-se serem estas as ocasiões privilegiadas às múltiplas revelações de crença na Lei Velha entre pessoas que nem sempre mantinham um contacto frequente e estreito, facto que explica que fossem feitas cuidadosamente, pouco a pouco.
Os segundos, os ajuntamentos, apresentam características diferentes. Podem ser organizados e terem até certa periodicidades sendo frequentados habitualmente pelas mesmas pessoas, ou possuírem um carácter fortuito. Contudo, o que importa salientar é o facto de implicarem sempre uma comunicação aberta de um maior número de participantes, empenhados à partida naquilo que neles se debatia. Ajuntamentos deste tipo ocorreram em Portalegre no início da década de 60, e em. Fronteira por volta de 1567 – 1168, contando com a participação de pessoas bastante conhecedoras da Lei.
Tinham como objectivos fundamentais informar, praticar e dogmatízar. Estes ajuntamentos possibilitavam ainda, àqueles que neles participavam, verificar que partilhavam com outros a crença na Lei de Moisés, o que lhes permitia consolidar a fé que nela tinham.
Após esses contactos e de regresso ao seio da sua própria comunidade, os cristãos-novos de Castelo de Vide que neles haviam tomado parte assumiam um papel de relevo na difusão e fortalecimento do criptojudaísmo, contribuindo grandemente para o manter vivo. No final da década de 70 alguns destes elementos promovem ajuntamentos com características idênticas em Castelo de Vide, contando-se Manuel Lopes Chaves e Manuel Rodrigues entre os mais activos. São precisamente eles que juntam às acusações de prática das cerimónias que constituem a base da Lei, outras mais greves como as blasfémias contra os sacramentos da Igreja, os ataques verbais à instituição inquisitorial e a oposição ao funcionamento (remeterem-se ao silêncio, induzirem outros a fazê-1o ou revogarem testemunhos já dados).

A par deste grupo que constitui uma é1ite, deparamos com a existência de grande número de elementos que se limita à guarda de sábados, jejuns, páscoas e preparação de alimentos de acordo com os preceitos da Lei, fazem-no quer isoladamente, quer no seio da própria família, a qual funciona como elemento enquadrador daquelas práticas, quer ainda com a conivência e participação de vizinhos e amigos, no Rossio da vila ou no ambiente mais restrito de uma casa, de um quintal ou pomar.
A par da mobilidade interna encontramos alusões constantes a toda uma série de contactos estabelecidos fora do Reino, através de diferentes elementos:
  • membros da comunidade que se deslocam ao exterior e comunicam com familiares que aí se encontram radicados;
  • membros da comunidade que nas suas deslocações se relacionam com judeus e que por eles são dogmatizados, visitando as suas sinagogas e judiarias.
Em ambos os casos, ao voltarem ao Reino, difundem entre os cristãos-novos as experiências vividas. Este tipo de viagens podia ainda servir para efectuar um reconhecimento prévio de locais onde, em caso de fuga, se podiam vir a estabelecer». In Maria Teixeira Pinto e Lucília Ferreira Runa, A Comunidade Cristã-Nova de Castelo de Vide, 1560 – 1580, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de 1987.

Cortesia da FCSHUNL/JDACT