terça-feira, 10 de abril de 2012

Joana, “a Louca”. Rainha Joana I de Espanha. «Joana casaria com Filipe e o irmão desposaria a irmã daquele, Margarida. Com os tratados conseguidos com estes dois casamentos e outros em boas vias de concretização com Inglaterra (dependentes, porém, do casamento de outra filha, Catarina, com o filho de Henrique VII), a França ficaria completamente cercada»



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«Os seus lábios começaram a tremer. Ajoelhou-se rapidamente aos pés dos pais, baixando a cabeça, não fosse alguém testemunhar os olhos cheios de lágrimas. Apertou o medalhão da Virgem, adornado de jóias, um presente da mãe, que pendia junto do peito ansioso.
Isabel e Fernando levantaram-se e desceram juntos os três degraus, a fim de a cumprimentarem. Andavam ambos na casa dos quarenta. Vários anos de uma luta sem tréguas para forjar uma nova nação haviam tido um preço alto, especialmente para Isabel, que suportara também o fardo de seis partos. Deixara de ser a jovem alta, magra e elegante que encantara Fernando. A sua pele clara mostrava-se agora macilenta, o rosto longo com o seu queixo firme inchara e amolecera. As tranças castanhas haviam perdido o brilho e a rainha cobria-as agora com um véu fino. Uma pequena coroa repousava no topo em honra da audiência.
Fernando tivera mais sorte. O rosto, bronzeado e curtido pelo tempo passado nos campos de batalha, era ainda forte e belo, e o hábito de montar a cavalo e caçar ajudara-o a manter o corpo firme e musculado.
Pegaram ambos nas mãos de Joana para a ajudarem a subir. A jovem viu os sorrisos e ficou convencida de que se deviam à satisfação de terem completado satisfatoriamente os acordos matrimoniais dela própria e do seu irmão João. Os laços entre o Sacro Império Romano e Espanha haviam sido duplamente reforçados com este duplo matrimónio, apertando o cerco em volta do inimigo, a França, e contrariando as suas ambições expansionistas.
Joana casaria com Filipe e o irmão desposaria a irmã daquele, Margarida. Com os tratados conseguidos com estes dois casamentos e outros em boas vias de concretização com Inglaterra (dependentes, porém, do casamento de outra filha, Catarina, com o filho de Henrique VII), a França ficaria completamente cercada.
O rei Fernando declarou:
- Querida filha, completámos todas as disposições relativas ao vosso casamento e a espera e a incerteza chegaram ao fim. Casar-vos-eis em Outubro, tornando-vos esposa de Filipe, arquiduque da Áustria, duque de Borgonha, conde de...
Joana precisou de todas as suas forças para não lhe gritar que sabia tudo aquilo, que pouco lhe interessava. O que desejava saber, embora o receasse, era a data da partida. As palavras de uma canção ressoavam-lhe nos ouvidos, como que escarnecendo dela:

Dizem-me que devo casar,
Mas não quero um marido, não.

Palmas corteses enchendo o salão e a voz da rainha Isabel, que parecia chegar de muito longe, interromperam-lhe os pensamentos.
- Deveis partir para a Flandres em Julho.
Joana entrou em pânico. Não podia ser em Julho, era demasiado cedo!
- Será uma aventura para vós e chegará demasiado depressa. Temos de escolher criados fiéis para vos acompanhar. Temos também de decidir que padres são os mais indicados para a vossa confissão e apoio espiritual.
Iria partir daí a poucos meses, na companhia de criados e padres escolhidos pela mãe, que ignoraria as suas preferências. Lágrimas escaldantes começaram a arder-lhe nos olhos. Pensou em fugir e em esconder-se algures, ou mesmo implorar piedade aos pais, pedir-lhe que a deixassem ficar em casa, no seio da família.
As palavras saíram-lhe por fim, salvando-o daquele embaraço.
- Vossa Alteza Real, farei o meu melhor para vos agradar, para ser digna… - Sufocava, o corpo sacudido pelo desespero». In Linda Carlino, “That Other Joana”, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.

Cortesia de E. Presença/JDACT