Cortesia de costapinheiro
Política exterior. O drama de Inês de Castro
«Dois episódios guerreiros marcam o reinado de Afonso IV. A eles se
deve o cognome de “o Bravo” que o monarca mereceu da posteridade.
O primeiro é o da guerra com Castela (1336-1338). As causas ligam-se à
política de casamentos, forma então muito usada entre as monarquias
peninsulares de fazer alianças e blocos políticos. Uma filha de Afonso IV
estava casada com o rei de Castela e foi por ele abandonada e tratada
vexatoriamente. Por outro lado, o rei de Portugal ajustou o casamento do
príncipe herdeiro Pedro, com a filha de um grande de Espanha, que era um dos
chefes dos nobres feudais que se opunham ao rei. Este não permitiu que a filha
do inimigo viesse para Portugal. Tudo isto se insere no quadro mais vasto das
lutas pelo equilíbrio político peninsular, que preenche o século XIV. A guerra,
além das costumadas devastações de fronteira e de uma incursão castelhana que
foi até junto do Porto e ali foi contida pelas tropas portuguesas, incluiu
grandes operações navais, que terminaram com a destruição da frota portuguesa
junto do cabo de S. Vicente, no Algarve. Já na guerra do rei Dinis contra Castela,
e mais tarde nas de Fernando, houve combates navais de certa envergadura e a
devastação dos portos espanhóis pelos navios portugueses, o que talvez reflicta
concorrências comerciais. A paz veio a ser negociada por intervenção do papa e
não trouxe vantagens significativas a nenhuma das partes.
Em 1340, um exército do rei de Marrocos passou à Península e, junto com
as forças do rei de Granada, iniciou uma invasão por terras cristãs. O rei de
Castela pediu o auxílio do de Portugal e os dois exércitos travaram com o
invasor uma batalha nas margens do rio Salado e obtiveram uma grande vitória.
Foi esta a última ameaça grave de reconquista sarracena. A batalha foi descrita
por um escritor português desconhecido, que parece ter estado presente nela;
esse texto é considerado um dos pontos mais altos atingido pela prosa medieval
portuguesa.
É no reinado de Afonso IV que se situa o episódio da morte de Inês de
Castro. O facto, apesar da sua secundária importância política, teve uma
repercussão emocional tão duradoura e tão profunda que justifica a referência
especial, mesmo numa exposição elementar, como a que este livro constitui.
Inês de Castro fazia parte de uma família muito poderosa de fidalgos
galegos e descendis, por via bastarda, do rei Sancho IV de Cartela. Havia
também uma qualquer ligação com a família Albuquerque. Afonso Sanches, o
bastardo do rei Dinis que Afonso IV odiou de morte e por causa do qual o País
mergulhou numa guerra civil, casou com a dona do castelo de Albuquerque. A esta
dona chamava-se Inês de Castro “mãe”, porque foi ela quem a criou.
Em 1350, estalou em Castela uma revolta dos grandes senhores contra o
rei Pedro I. O chefe da revolta era precisamente João Afonso de Albuquerque,
filho de Afonso Sanches e, portanto, uma espécie de irmão adoptivo de Inês de
Castro. Este usou certamente a sua influência sobre Inês para envolver o
infante Pedro, que com ela vivia maritalmente, nas guerras civis castelhanas.
João das Regras, nos seus famosos discursos das Cortes de Coimbra,
revelou que Afonso IV, três anos antes da morte de Inês, portanto, em 1351,
escreveu ao arcebispo de Braga, que se encontrava então na corte do papa, para
que convencesse o sumo pontífice a não conceder as dispensas necessárias para o
casamento de Pedro com D. Inês. Ora nessa carta há uma alusão directa às
manobras de João Afonso de Albuquerque:
- ‘...alguns que são parentes do infante em 2º grau do parentesco, ao de presente cometem não lícita coisa com ela’.
“Coisa não lícita” significa coisa proibida; “cometer com” quer dizer
propor através de.
E o parentesco em 2º grau era então considerado o existente
entre João Afonso de Albuquerque e o infante Pedro, que eram filhos de irmãos.
Um outro indício da importância decisiva que Inês de Castro tinha em
toda essa intriga política é o casamento do rei de Castela, em 1354, com a irmã
dela, Joana de Castro. Talvez contasse, desse modo, desarmar uma eventual
intervenção portuguesa, chamando os Castros para o seu partido. No mesmo dia do
casamento, o rei repudiou a consone, por ter recebido a notícia de que
Albuquerque organizara uma nova liga de nobres contra ele, da qual faziam parte
dois irmãos bastardos do próprio rei, um deles era Henrique de Trastâmara, que
mais tarde assumiu a chefia da rebelião e matou Pedro, “o Cru”, sucedendo-lhe
no trono. O repúdio de Joana de Castro agravou a situação. Os irmãos dela
utilizaram o território português para hostilizar Pedro, “o Cru”. Nesse mesmo
ano de 1354, João Afonso de Albuquerque insistiu no plano de uma aliança portuguesa
com os rebeldes:
- mandou a Portugal um irmão de Inês de Castro propor ao infante Pedro que reclamasse para si a coroa da Castela, visto ser neto do rei Sancho IV (a mãe de Pedro, rainha D. Beatriz, era filha de Sancho IV). Pedro estava disposto a aceitar e só a terminante proibição de Afonso IV evitou o nosso envolvimento na guerra civil castelhana.
Foi para o impedir que Afonso
IV decidiu a morte de D. Inês de Castro, que foi degolada em 7 de Janeiro de
1355, nos paços de Sana Clara, em Coimbra, numa ocasião em que o infante estava
ausente. Este não acatou a justiça mandada fazer pelo rei e declarou-se em
revolta». In José Hermano Saraiva, História Concisa de Portugal, Publicações
Europa América, 1995.
continua
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