segunda-feira, 9 de abril de 2012

Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos. José Manuel Anes. «Reencontrar a Palavra é reencontrar a verdadeira Lei humana, o Adão primitivo e andrógino feito assim à imagem de Elohim. Fazer dentro de si mesmo a união dos dois princípios, eis a Lei humana reencontrada, a verdadeira criação da Pedra Filosofal»

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2ª Fase Esotérica. A Gnóstica, de 1920 até A sua morte em 1935
«A Gnose é um movimento religioso e iniciático do começo da nossa era, que preconiza a salvação pelo Conhecimento. Não se trata de um Conhecimento intelectual ou especulativo, mas sim de um Conhecimento espiritual que libertará o Homem e o conduzirá aos planos divinos. Por vezes, utiliza-se (indevidamente) o termo gnóstico para qualificar toda a corrente esotérica ou oculta, mas na realidade não se pode aceitar essa denominação para identificar uma corrente hermética ou alquímica o Hermetismo e a Gnose são duas correntes contemporâneas mas distintas, mantendo, no entanto algumas características comuns, sendo a primeira mais optimista do que a segunda já que admite a salvação do mundo através da sua espiritualização enquanto a Gnose é pessimista em relação ao mundo, já que só admite a salvação fora dele.
Fernando Pessoa afirmou o postulado gnóstico da Queda do Homem, ser espiritual, na Matéria e, portanto, estando nesse estado, dividido, separado, afastado da "casa do Pai", do mundo celestial de onde proveio e no qual ele era Inteiro, mas para onde deve regressar, quer em textos, como por exemplo, “O homem não estava destinado a ser o que é: foi pela Queda que se tornou tal”, e este outro, ‘Em Adão, o homem e a Mulher separaram-se (...) Queda: emoção e vontade separaram-se pela vinda da inteligência - (Serpente)’, ou ainda no texto fundamental em que ele glosa, gnosticamente, o tema maçónico do Reencontro da Palavra Perdida (central, por exemplo, nos graus de Arco Real, do Rito de Emulação inglês, e de Mestre Perfeito de Santo André, do Rito Escocês Rectificado, como Pessoa refere):
  • “Reencontrar a Palavra é reencontrar a verdadeira Lei humana, o Adão primitivo e andrógino feito assim à imagem de Elohim. Fazer dentro de si mesmo a união dos dois princípios, eis a Lei humana reencontrada, a verdadeira criação da Pedra Filosofal”



Neste texto, Pessoa reúne sinteticamente o grande tema da Reintegração que atravessa quase todas as dimensões do Esoterismo que o ocupou:
  • Alquimia (a união dos contrários), a Magia, a Gnose e a Teurgia (a própria reintegração) e a Maçonaria iniciática ou esotérica (a que demanda a Palavra perdida). Mas Pessoa abordou também a temática gnóstica em poemas como “No Túmulo de Christian Rosencreutz”:
«Quando, despertos deste sono, a vida,
Soubermos o que somos, e o que foi
essa queda até Corpo, essa descida
Até à Noite que nos a Alma obstrui».

Pessoa declarou, no final da sua vida, que era “Cristão gnóstico, e portanto oposto a todas as igrejas organizadas e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kaballah) e com a essência oculta da Maçonaria”. Além disso, como refere Yvette Centeno, «Nos documentos do espólio (ele) alude muitas vezes à via hermética que através da chamada Igreja Gnóstica é transmitida aos Templários. Esta é, para ele, a verdadeira Igreja, e a via hermética, a verdadeira via». Mas esta estudiosa do esoterismo pessoano acrescenta que «já na documentação publicada em ‘Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação e Sobre Portugal’, existem referências à Gnose e aos gnósticos», sendo um exemplo destes textos, o seguinte:
  • ‘Esta heresia não desapareceu nunca. Opressa, esmagada exteriormente, essa seita de ocultistas tornou-se secreta, desapareceu da evidênciahistórica, mas não da vida. Não é impossível encontrar, aqui e ali, evidência da sua permanência secreta. E essa permanência oferece aspectos de conflito com o cristianismo oficial e sobretudo com o católico’.
Apar do cristianismo oficial, com os seus vários misticismos e ascetismos e as suas magias várias, nós notamos, episodicamente vindo à superfície, uma corrente que data sem dúvida da Gnose (isto é da junção da Cabala judaica com o neoplatonismo) e que ora nos aparece com o aspecto dos cavaleiros de Malta, ou dos Templários, ora, desaparecendo, nos torna a surgir nos Rosa-Cruz, para' finalmente, surgir à plena superfície na Maçonaria (…), aqui, Pessoa utiliza claramente a designação “Gnose”, quer para a “Gnose antiga” quer para as suas manifestações tardias, ‘gnosticismos diversos’». 

In José Manuel Anes, Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN 978-989-8092-27-4.