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Primeiros contactos com Bochimanes
«Exploradores e missionários, quantos se arriscam pelo sertão do Sul de África, todos encontram esta gente bravia, esparsa em terras altas e montanhas: Sparrman (1784), Thunberg (1794), Lichtenstein (1812), Campbell (1815), Burchell (1822), Arbousset (1842) e outros.
Os colonos holandeses puseram-lhe o nome de “Bosjesmannen” (homens do mato), a que corresponde o inglês “Bushmen”, o alemão “Buschmänner”, o francês “Bochimans” e a nossa designação “Bochimanes”, decalcada sobre a palavra francesa.
É evidente a analogia entre estes homens pequenos e os que o Gama viu em Santa Helena; só que os de Santa Helena, além de caçadores e colectores, agarrados à costa, pelo menos durante uma parte do ano, também se alimentavam de peixe e de outros produtos do mar. Seriam, portanto, do mesmo modo, Bochimanes, ora no mato ora no litoral, adaptados a um duplo ambiente físico.
O coronel Gordon e sua comitiva encontraram, em 1779, junto da foz do rio Orange, restos de uma população vivendo do mesmo modo. E o nome que lhe deram é bem significativo, o de “Shore-Bushmen”, quer dizer, o de “Bochimanes da Costa”.
É de crer, e não faltam vestígios disso, que todo o litoral do Sul e do Atlântico fosse povoado por aborígenes deste tipo. Mas, com a chegada dos Hotentotes, o seu número ter-se-ia reduzido a pequenos núcleos, dispersos pelos areais desérticos que a raça dominadora não quis ocupar.
As observações e estudos de viajantes e missionários que dos fins do século XVIII a meados do XIX se internaram pela região do Cabo vão definindo cada vez melhor os traços físicos e culturais de Bochimanes e Hotentotes, e a segunda metade do século XIX traz ao primeiro plano desta investigação os nomes de George Stow, Bleek, Lucy Lloyd e Dorothea Bleek. Aos últimos se ficaram devendo os primeiros trabalhos monográficos sobre o povo boximane, e tanto etnográficos como linguísticos. No que, em um primeiro relance, parecia igual acharam-se diferenças e no que era aparentemente diferente puderam descobrir-se semelhanças. Os Hotentotes eram parecidos com os Bochimanes na cor, no cabelo e caracteres faciais, mas mais altos, de cabeça mais alongada e com predominante dolicocefalia. E nos costumes bochimanes havia coincidências com os dos Hotentotes.
Em todo o caso, e repetindo, os comuns traços físicos eram tão salientes que navegadores e colonos os puderam confundir. Os “Bosjesmannen” eram por eles considerados como “Hotentotes selvagens”.
Mas o que à primeira vista logo se evidenciou foi a sua diferente cultura: um povo colector de um lado, a par com outro de pastores nómadas.
Talvez se não entenda bem por que razão incluímos, há pouco, mas de modo um tanto condicional, os habitantes de Santa Helena na população bochimane. É que a afirmação tem sua ousadia, se não do ponto de vista cultural, pelo menos do antropológico-étnico.
Nenhuma descrição nos ficou dos indígenas de Santa Helena, além das que citámos, e nem sequer uma nota da sua existência. Não se fizeram, portanto, estudos de confronto do tipo somático deles com o dos Hotentotes que adiante se encontraram. Graças aos achados arqueológicos de abundantes restos ósseos e utensílios líticos dos últimos decénios na África do Sul e à sua interpretação científica, sabe-se, hoje, que por todo o litoral oeste e sul deambularam na última Idade da Pedra (“Later Stone Age”) populações ribeirinhas de pescadores e colectores de mariscos que ao mesmo tempo se aplicavam à caça e colheita de vegetais. Eram os “Strandloopers” isto é, os nómadas da costa. Eram bem proporcionados, de estatura regular, de cabeça alongada e amplas faces, mas a quem não faltavam elementos da raça “bush”, sobretudo nos caracteres pedomórficos cranianos. Parecem, por isso, ter provindo do homem de Boskop». In Viegas Guerreiro, Bochimanes (!KHU) de Angola, Estudo Etnográfico, Tipografia Silvas, Lisboa, 1968.
Cortesia Estudos Etnográficos/JDACT