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«O primeiro número da “Galeria dos Varões Ilustres” foi consagrado, por
ocasião do centenário, para comemorar o génio do grande poeta, que mais do que
nenhum outro português contribuiu para imortalizar a glória da nação e tornar
ainda, se era possível, mais ilustre e celebrado o nome de Portugal.
O cantor dos feitos portugueses, na primeira e mais insigne das modernas
epopeias, tomará por assunto principal o temerário descobrimento da senda
marítima da Índia, e enlaçará com esta assombrosa empresa a história do povo
português e a comemoração dos seus heróis.
Ao poeta devia seguir-se naturalmente, como fazendo pela navegação e
pelas armas o que o vate celebrará nos seus cantos, o maior de quantos
portugueses ilustraram pelo esforço os faustos nacionais; ao Camões, Vasco da
Gama. São estes, de feito, os luzeiros mais intensos de toda a nossa glória. Poderão
estranhos porventura ignorar os nomes de outro, varões ilustres e beneméritos
pelas suas façanhas ou pela sua valia literária. Mas se no extenso catálogo dos
que honraram a pátria pelo pensamento ou pela acção, a indiferença e o esquecimento
riscassem os Pachecos, os Albuquerques e os Castros entre os homens de espada
vencedora e os Sousas, os Vieiras, os Bernardes entre os homens de engenho
inimitável, ainda a mais impiedosa mordacidade não ousaria cancelar estes dois
nomes, Camões e Vasco da Gama. Ainda eles, consociados na mesma grande ideia
nacional , haveriam de levar à posteridade a fama portuguesa, quando no decorrer
dos séculos, não restar outra memória de que um dia, num recanto do Ocidente,
existiu e floresceu um povo de heróicos aventureiros, que a todas as nações se
antecipou em traçar a comunicação com o Oriente.
Camões é o génio português, Vasco da Gama o brio nacional. Um é o
espírito, outro a força; um o pensamento, o outro a acção; o estro e a audácia.
Um liga a literatura de Portugal à do restante mudo civilizado, o outro prende
e enlaça intimamente os fados gloriosos da nação aos futuros destinos da
humanidade.
Por isso o segundo lugar da “Galeria”, segundo no tempo, igual na honra,
pertence agora ao imortal descobridor.
Era intenção do autor resumir e compendiar num só volume a vida do
grande navegador. Mas os feitos, de que ela se entretece e o mérito singular de
sua empresa, ficariam talvez menos perfeitamente compreendidos se não a
precedesse um estudo consagrado a explanar os seus antecedentes, o progresso
das nossas navegações desde as primeiras tentativas do infante Henrique, e os
esforços empenhados antes dos nossos mareantes, nos tempos mais antigos e
durante a Idade Média, para domesticar o Oceano rebelde a quilhas aventureiras,
para circum-navegar a costa de África e comunicar por terrestres excursões ou
marítimas empresas as terras do Ocidente às regiões orientais.
Igualmente convinha elucidar quais eram na Europa nos tempos medievos
as noções mais correntes e seguidas sobre o conhecimento do nosso globo, para
que em presença dos erro s e fantasias então enraizadas e predominantes nos
espíritos de quilates mais subidos, se pudesse ajuizar em que proveito s para a
civilização e para a ciência haviam redundado as nossas trabalhosas e incessantes
navegações, prosseguidas no espaço de quase um inteiro século.
E, também aqueles prolegómenos pareciam necessários para que os
portugueses, satisfazendo-se e contentando-se da glória imortal e verdadeira,
não quisessem ainda mais avolumar os próprios loiros, escurecendo e
deslustrando o que antes deles pudessem outros menos arrojados e felizes haver
empreendido e acabado.
Assim, o estudo acerca do ilustre navegador consta de duas partes; a
primeira comemora “Os Precursores de Vasco da Gama”; a segunda história, os seus
feitos guerreiros e navais nas suas três viagens». In Latino Coelho, 1882,
Vasco da Gama, Bertrand Editora, Lisboa 2007, ISBN 978-972-25-1614-3.
Cortesia de Bertrand Editora/JDACT