quarta-feira, 18 de abril de 2012

O Oriente de Expressão Portuguesa. Timor, Goa e outros Confrontos Etnográficos. António Almeida. «A ilha de Timor tem a forma elipsoidal, sendo atravessada longitudinalmente por uma cadeia de serras, cujo ponto mais elevado é superior à altitude do Pico nos Açores; a montanha recebe o apelido de Tàta-Màiláu, o avô dos montes»



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«Na Oceânia, a leste do arquipélago da Sunda, situa-se a ilha de Timor. Timor quer dizer nascente, Oriente, palavra bem sugestiva para os Portugueses, o Oriente obstinadamente procurado e percorrido em todas as direcções pelas nossas armadas nos tempos áureos da Expansão!
Nesta ex-terra de Portugal vivem, além dos Europeus, Chineses de Macau, Muçulmanos de proveniências diversas e os naturais, em número aproximado de meio milhão, repartidos em 31 grupos etnolinguísticos, já estudados pela Missão Antropológica de Timor. Timor, com superfície equivalente a um terço da área do Continente, é banhado ao norte pelo mar de Banda, o “mar-mulher”, e ao sul. pelo mar da Austrália, o “mar-homem”, segundo as expressivas designações dos Timorenses:
  • mar-mulher por estar quase sempre calmo,
  • mar-homem por normalmente se mostrar agitado!...
A ilha de Timor tem a forma elipsoidal, sendo atravessada longitudinalmente por uma cadeia de serras, cujo ponto mais elevado é superior à altitude do Pico nos Açores; a montanha recebe o apelido de Tàta-Màiláu, o avô dos montes. Conforme o simbolismo dos nativos, a ilha outra coisa não é do que um gigantesco crocodilo, emergido do oceano!... Ao jacaré, animal reverenciado por muitos Timorenses, chamam avô, manifestando-lhe a sua veneração por meio de estilos ou práticas mágico-religiosas, que consistem em sacrifícios de porcos, de cabritos e de outros animais domésticos, abstendo-se de molestá-lo, mesmo quando o repelente lagarto consiga matar e deglutir algum compatriota; neste caso particular, o crocodilo incarna o espírito de Deus justiceiro, sendo, por isso, a sentença aceite resignada e respeitosamente.
O réptil aparece frequentemente no folclore local; no dorso de um jacaré-voador, dizem os nativos, chegou a Timor o primeiro representante da raça branca: um “Malae”, ou seja um Português. “Malae” é o nome gentílico dado aos estrangeiros em geral, mas, enquanto para nos classificarem basta esta palavra, para os demais povos estranhos há que acrescentar adjectivos qualificativos, às vezes bem antipáticos, ainda que quase sempre perfeitos retratos.
Entre as montanhas de Timor abrem-se vales profundos e, no tempo de chuvas, nestas depressões acumulam-se águas diluvianas, despenhadas dos cumes em catadupas indomáveis, indo avolumar desmedidamente as ribeiras, que destroem tudo na sua furiosa passagem, arruinando estradas e caminhos, derrubando árvores e pontões, impedindo as comunicações temporariamente.
Se as ribeiras de Timor, em regra sem préstimo para a navegação, provocam os prejuízos apontados, algumas delas fornecem água para inundar as várzeas marginais, em que se cultiva o arroz, a gramínea de que principalmente se sustentam os Timorenses.
Quantas vezes, ao percorrer as terras do distrito de Goa, me quedei a observar aspectos etnográficos e de geografia humana confrontáveis com os de Timor e de outras terras portuguesas, por exemplo, os que respeitam à orizicultura: arranjo e cultivo das várzeas, colheita e debulha do arroz, verificados no nosso Continente. Com efeito, em Goa como em Timor, os arrozais aquáticos dispõem-se em canteiros ladeados de baixos camalhões de terra batida, assemelhando-se a plantação e a ceifa do arroz, bem como a debulha, feita com os pés dos homens. Se os arrozais goeses lembram os das margens dos rios Vouga, Mondego e Sado e as mulheres que cortam o arroz parecem as ceifeiras do Alentejo, já as várzeas timorenses são pisadas e revolvidas com as patas dos búfalos.
Em Goa emprega-se a enxada ou o arcaico arado de madeira, vindo dos tempos védicos, e outros instrumentos puxados por búfalos ou por bois». In António Almeida, O Oriente de Expressão Portuguesa, Timor, Goa e outros Confrontos Etnográficos, separata do volume 84 de Estudos, Ensaios e Documentos, Pangim, Índia, Fundação Oriente, Centro de Estudos Orientais, Lisboa, 1994, ISBN 972-9440-27-1.


Cortesia da F. Oriente/JDACT