sexta-feira, 6 de abril de 2012

A Saudade Portuguesa. Divagações filológicas e Literar-Históricas em volta de Inês de Castro e do Cantar Velho. Carolina Michaelis de Vasconcelos. «Cantares de amor, cantares de amigo, cantigas de escárnio e maldizer, […] e raríssimas “cantigas de vilão”, eis os géneros que o conde de Barcelos, bastardo de Dinis, […] ia coligindo, em vida de Inês, num enorme “Livro das Trovas”»



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Uma pesquisa assente na leitura dos mais antigos poemas da língua portuguesa, abraçando os aspectos filológicos, poético e mítico. ‘A Saudade Portuguesa’ abriu novos caminhos à compreensão do mais enigmático dos enigmas portugueses: “a Saudade”.

«Sem entrar em pormenores que já dei, laconicamente, em outra parte e conto dar de novo, ampliados, num estudo sobre os “apócrifos”, assento aqui a notícia significativa que o autor dessa fábula foi o mesmo Faria e Sousa que propagou a lenda da Coroação. Ele abstraíu-a, de boa fé ou de má fé, mas sem sombra de crítica, de uma epígrafe do “Cancioneiro Geral”. O “Rey Dom Pedro”, que aí figura como poeta e autor de uns quatro vilancetezinhos, cortesanescos, sem valor, “a uma senhora” designada com péssimo gosto como “seu deus segundo”, em imitação de Álvaro de Luna e Juan II de Castela, não é, não pode ser o Justiceiro. Um deles está escrito em espanhol.

É outro “Rei D. Pedro”: o Condestável, filho do Regente, expatriado depois do desastre de Alfarrobeira e falecido em idade juvenil como “Rei” (intruso) de “Aragão” (em 1467) autor de mais alguns vilancetezinhos, conservados em miscelânias castelhanas, e de três poemas filosóficos. Esses, de larga envergadura, foram redigidos em castelhano, porque foi em Castela que o desterrado teve de viver sete anos, e porque foi nesses sete anos que aprendeu a arte nova, dantesca, de poetar, adestrado pelo exemplo do marquês de Santilhana.
As notícias do fabulador eram, de resto, tão vagas e tão pouco substanciais, e estavam tão escondidas na “Europa” e no “Epítome”, que, acolhidas e propagadas por poucos curiosos, só no fim do século XVIII começaram a vir à superfície e a avultar pouco a pouco, com novas fábulas e hipóteses, rendendo finalmente uma edição “in-folio”, mas de poucas páginas, das “Poesias del rei D. Pedro de Portugal”!

A fim de tornar plausível o meu cepticismo e a minha atribuição, basta dizer que a forma fixa do “vilancete” vingou só no século XV. As formas poéticas usadas antes de 1355 são, pelo contrário, as provençalescas! A linguagem falada por Pedro e Inês era a galego-portuguesa dos trovadores e jograis, de que não há vestígio nas obras latinizadas do Condestável.
Cantares de amor, cantares de amigo, cantigas de escárnio e maldizer, pastorelas, serranilhas, canções de gesta, lais de Bretanha, e raríssimas “cantigas de vilão, eis os géneros que o conde de Barcelos, bastardo de Dinis, tio portanto do príncipe Pedro, ia coligindo, em vida de Inês, num enorme “Livro das Trovas”, salvando do olvido tudo quanto restava dos reinados de Afonso IV, Dinis, o Bolonhês, Sancho Capelo, Afonso II, e Sancho o Velho.
A esse primeiro período da arte lírica peninsular de 1200 até 1350 podia pertencer apenas o “mote”, a “letrilha”, o “cantarzinho”, o “cantar velho”, o “refram”, o dístico sentido, sonoro e de carácter popular:
  • Suidade minha, quando te veria?
Mais adiante tentarei demonstrá-lo».  
In Carolina Michaelis de Vasconcelos, A Saudade Portuguesa. Divagações filológicas e Literar-Históricas em volta de Inês de Castro e do Cantar Velho, “Saudade minha – quanto te veria?”, Colecção Filosofia & Ensaios, Guimarães Editores, Lisboa, 1996, ISBN 972-665-397-5.

Cortesia de Guimarães Editores/JDACT