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Cartas Polémicas
«Barbin registou uma antologia de vários autores sob o nome de Guilleragues, assinalando com minúsculas as “Lettres Portugaises”. Belard da Fonseca também criticou a metodologia utilizada pelo professor Green na análise do registo, pois não o confrontou com outros de Barbin e de outros autores e livreiros. Belard, ao comparar o teor de registos coevos aos de Barbin, notouìhes as incongruências e alvitrou a hipótese de que possivelmente só a obra ou as duas obras mais chegadas ao nome de Guileragues é que seriam de sua autoria. Nem mais.
Decididamente, as Cartas Portuguesas cativam e apaixonam quem as lê. Portanto, há os que crêem, neste crer há muito trabalho de investigação que reúne fortes indícios, favoráveis à tese portuguesa e feminina, quase impossíveis de contornar, que as cartas foram de facto escritas por Mariana Alcoforado; em oposição total, os que atribuem a Guilleragues a autoria das epístolas; ainda os que não acreditam no romance entre Mariana e Chamilly, independentemente de quem as escreveu; houve quem as atribuísse a outros homens e também a outras mulheres. De Túlio Espanca (1913-1993), poucos dias depois da sua morte, saía no Jornal de Letras um estudo atribuindo a autoria das Cartas Portuguesas a Francisco Manuel de Melo (1608-1666).
Têm-se revelado frágeis as bases de contestação da autoria feminina e portuguesa das “Lettres”, pelo que não se deve desistir da contra argumentação, conferindo e dando o devido valor à quantidade e qualidade dos testemunhos visíveis.
Mergulhar nas cartas de Mariana Alcoforado é sentir-lhe as lágrimas, o amor vivido, eterno, que a sua paixão alimentou; é sentir também como foi tristemente limitado ao claustro (primeira carta), do qual desejava sair, o seu quotidiano; como foram severas as leis deste país para com as religiosas (terceira carta) e austera a sua família; é, ainda, sentirmos o quanto é ilimitada a capacidade de amar, de tentar através das palavras, as únicas, angustiadas, que não lhe podem tirar, ultrapassar todos os obstáculos porque aquém do maior amor do mundo, para Mariana, “tout le rest n'est rien”.
“O amor proibido de uma freira portuguesa”, editado em Lisboa, pela Esquilo, em 2006, numa tradução de Maria de Lurdes Feio, da autoria de Myriam Cyr, actriz de teatro norte americana, é a primeira obra de investigação estrangeira, ainda que ligeiramente romanceada, traduzida para português, acerca da polémica que persiste em torno da autoria das Cartas Portuguesas. Myriam crê com veemência nos encontros amorosos entre Mariana e Chamilly, tentando explicar a conjuntura especial que os reúne nessa tão ardente paixão e encara com naturalidade a escrita amorosa e literária da freira portuguesa.
A autora cita e reforça, com perspicácia, as teses de autores portugueses como Luciano Cordeiro (1891), Manuel Ribeiro (1940) e António Belard da Fonseca (1966), embora defenda um maior conhecimento da língua francesa por parte da religiosa, não invalidando a utilização nas Cartas de uma escrita mista que lhes dá o toque luso que possuem; contrapõe as teses de outros, portugueses e estrangeiros, como A. Gonçalves Rodrigues, F. Deloffre e J. Rougeot; e, aparentemente, só porque não a vimos na bibliografia consultada, parece desconhecer a obra “O infeliz amor de soror Mariana”, também ela uma obra chave para a atribuição da autoria portuguesa das cartas a Mariana Alcoforado, editada no Rio de Janeiro, em 1964, pelo general Humberto Delgado.
Castro e Brito, com “A doçaria de Beja na tradição provincial”, editada em Lisboa, pela Império, em 1940, integra os cerca de 140 exemplares bibliográficos alcoforadinos ou que, não o sendo, se prestam à contextualização do ensaio romanceado da autora, apadrinhando com os sabores alentejanos dulcificados o amargo da desventurada paixão». In Leonel Borrela, Cartas de Soror Mariana Alcoforado, Edição 100Luz, 2007, ISBN 978-972-99886-7-7.
Cortesia de 100Luz/JDACT