sábado, 28 de abril de 2012

Herculano Desconhecido. 1851-1853. António José Saraiva. «A verdade é que Saldanha nunca teve quaisquer ideias próprias acerca de governo a não ser gozar-lhe pacificamente os proventos e a glória, da maneira maís cómoda possível; a sua única qualidade como político era a ronha do oportunista»


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Herculano perante a Regeneração
«Saldanha fizera saber, em manifesto publicado pouco antes da sua entrada, que pretendia conservar o trono a S. M. D. Maria e sua dinastia; reformar a Carta, realizar eleições ‘realmente e verdadeiramente livres’ para se obter uma expressão correcta da vontade nacional; e varrer o sistema da imoralidade e corrupção, roubo e peculato que se tornara teoria de governo sob o “Cabralismo”, para dar lugar à justiça e liberdade, moralidade e economia. Este manifesto representa já um compromisso: por um lado mantinha a Rainha (cuja abdicação era pedida por muitos “Setembristas”), e a Carta, que seria apenas reformada e não substituída por uma Constituição, como todo o partido setembrista reclamava; por outro lado anunciavam-se eleições “livres”, que implicavam uma reforma da lei eleitoral, e prometia-se (vagamente) o saneamento do pessoal administrativo.
Seguiram-se dias de febril intriga durante os quais se negociou o novo ministério. Herculano tomou parte nas negociações mas recusou a pasta do Reino que lhe era oferecida. Nem por isso deixou de ficar presente no governo através de amigos seus. O ministério ficou pronto em 21; Rodrigo ficava de fora; entrava um setembrista, o marquês de Loulé; Joaquim Filipe de Soure, e Ferreira Pestana, que tinha a pasta essencial do Reino, eram amigos pessoais de Herculano. Franzini, na Fazenda, era um técnico, autor de um relatório sobre a renda nacional e sua distribuição por classes.
Os velhos políticos cartistas parecem ter ficado despeitados com este governo de participação setembrista, e em que eles não quase entravam. Silva Carvalho condenava-o em carta a um amigo, afirmando que era um governo de «loucos comunistas e socialistas», capaz de nos meter em complicações com a Inglaterra, a França e a Espanha, ‘que não querem fogo em casa’. Lembremos que neste ano a reacção estava triunfante em toda a Europa.
Era no entanto o governo desejado por Herculano, que via efectivar-se a sua combinação com Saldanha. Herculano, apesar de não ser ministro, redigiu ele mesmo projectos de lei fundamentais porque definiam toda uma política económica e social, entre os quais um projecto de lei de arroteamento de incultos, que visava a suprimir de maneira gradual, por uma adequada legislação de aforamento, os morgados. Outro decreto redigido por Herculano reformava a Câmara dos Pares. Ao mesmo tempo trabalhava activamente na reforma da lei eleitoral dentro de uma comissão de que além de ele próprio, fazia parte grande número de setembristas ou simpatizantes, como Rodrigues Sampaio, Garrett, Joaquim António de Aguiar, José Estevam, José Maria Grande, Leonel Tavares Cabral, a par de Rodrigo da Fonseca, Fontes Pereira de Melo, e outros conservadores.


 O domínio que Herculano pensava ter sobre a situação política (fundado talvez nas suas relações pessoais com o marechal Saldanha) não passava no entanto de uma ilusão da sua inexperiência política. A verdade é que Saldanha nunca teve quaisquer ideias próprias acerca de governo a não ser gozar-lhe pacificamente os proventos e a glória, da maneira maís cómoda possível; a sua única qualidade como político era a ronha do oportunista. O governo que se formara a conselhos de Herculano não podia contar com o apoio dos políticos cartistas, nem com o entusiasmo do movimento popular setembrista que só tinha nele um representante». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido. 1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.

Cortesia de Edições SEN/JDACT