quarta-feira, 11 de abril de 2012

Problematizar a Sociedade. A desconhecida sociedade em que vivemos, que caminhos para a compreendermos? «O social é imanente à consciência individual; porque para além da consciência há todo um mundo obscuro, de importância capital, […] onde parece encontrar-se um estrato da mentalidade colectiva depositado no tempo longo e formações do decurso da existência pessoal»



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«Mas breve se reconheceram as limitações desta psicologia do comportamento, que tendia a não considerar o plano verbal. Substituiu-a a psicologia experimental (Henri Piéron), que alarga o seu campo a condutas mais complexas, estudadas embora em laboratório, mas mais tarde procurou-se a experimentação em meio social. Por outro lado, passou-se a levar o observado a realizar a introspecção segundo determinados padrões, e também em situação social, foi a psicologia introspectiva experimental de Binet e da Escola de Wurzburg, foi a psicanálise, procurando perscrutar não só as operações mentais conscientes (os primeiros) como ainda todo o mundo do subconsciente e do inconsciente (a segunda). A sociologia seguiu os mesmos caminhos, e uma e outra atacaram simultaneamente pela observação objectiva de situações e condutas e pela compreensão interpretativa e da tomada de consciência.
Na viragem do século Durkheim lançou uma abordagem sociológica análoga, de certo modo, ao behaviourismo psicológico. Os factos sociais não podem ser considerados apenas como significações vividas, segundo ele, tal não conduziria a uma construção científica, mas igualmente como realidades objectivas, do ponto de vista da situação. A sua ideia de partida é que devemos considerar os factos sociais como coisas, no fundo, retoma a concepção de Montesquieu ao definir a “lei”. Não quer isso dizer que os alinhemos como objectos materiais, Durkheim explicou-se com suficiente clareza a tal respeito. Encarar os factos sociais como coisas indica que não estamos a vê-los do ângulo meramente subjectivo da psicologia da consciência, nem sequer da psicologia “tout court”, mas sim como realidades que se impõem objectivamente a todos aqueles que pertencem a um círculo social, a todos os que vivem numa sociedade dada. Os factos sociais não se explicam por factos biológicos ou psicológicos, explicam-se por outros factos sociais.
Esta orientação metodológica de Durkheim, mau grado as suas insuficiências, permitiu lançar a investigação sociológica num caminho fecundo. É que até aí dissolvia-se demasiado facilmente a vida social na vida consciente, o objectivo no subjectivo, e sob a influência do individualismo da ideologia liberal tinha-se nas mãos uma sociedade atomizada, sem dispormos dos instrumentos para lidar com as instituições e outras totalidades colectivas e sociais.
Consciência social, consciência colectiva não são entidades substantivas, separadas da consciência pessoal, .há que não ver as coisas aristotelicamente ou escolasticamente, diríamos hoje que esta abordagem implica a lógica relacional. Durkheim nunca transferiu para o campo da substância o que era uma noção operatória um ângulo de perspectiva, a utilizar na investigação científica. Mas o ter diferenciado a existência social da consciência, e o imperativo de considerar o todo como mais do que a soma das partes foram de importância decisiva, pois que a dificuldade em abordar os factos sociais derivava principalmente da identificação de uns e de outra. Ora a existência social é muito mais ampla do que o horizonte das consciências individuais, ela impõe-se-lhes exteriormente, coactivamente. Aqui, com a entrada em cena da coacção, Durkheim transforma em característica universal da sociedade aquilo que é apenas característica de determinadas situações sociais. A consciência colectiva não é algo que necessariamente exerça uma coacção nas consciências individuais: nos estados de comunhão, de sentimento de comunidade, a consciência individual não sente a pressão exterior do social. O social é imanente à consciência individual; mas não apenas à consciência, antes a toda a vida mental, porque para além da consciência há todo um mundo obscuro, de importância capital, o mundo subterrâneo do subconsciente e do inconsciente, onde parece encontrar-se um estrato da mentalidade colectiva depositado no tempo longo e formações do decurso da existência pessoal». In Vitorino Magalhães Godinho, Problematizar a Sociedade, Quetzal Editores, 2011, ISBN 978-972-564-946-6.

Cortesia de Quetzal Editores/JDACT