quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Combate de Flor da Rosa. Conflito Luso-Espanhol de 1801. António Ventura. «José Acúrcio das Neves escreveu a esse propósito: “De Gavião se fez uma expedição para salvar os [depósitos] do Crato, que se compunha de 600 homens e 80 cavalos; mas inutilmente, porque em Flor da Rosa foi ‘surpreendida’ e feita quase toda prisioneira por forças superiores”»



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«Como se vê, Manuel Godoy equivoca-se em vários momentos. Nem o exército luso retirava em direcção a Crato, mas sim a Gavião, nem as tropas que saíram de Portalegre tinham como objectivo persegui-lo. O ‘general’ era, realmente, um coronel, e os fugitivos não levaram o ‘temor’ às tropas de Crato, rumando sim em direcção ao grosso do exército. Claro está que sabemos que estas memórias foram publicadas muitos anos após os acontecimentos que descrevem, e sem recurso a documentos coevos, pelo que é útil compulsarmos essa versão com a que o próprio Manuel Godoy inseriu na “Gaceta de Madrid”.
A descrição do combate, feita pelo comandante das tropas portugueses, apresenta algumas coincidências com a que escrevera sobre o combate de Arronches. Naturalmente que José Carcome Lobo procurava justificar o sucedido. Esse texto, que foi utilizado, certamente, por Luz Soriano na descrição que fez do mesmo episódio. Dele ressalta uma actuação quase impecável. Procedeu-se ao reconhecimento prévio do terreno, as tropas descansavam junto às suas armas mas com duas sentinelas colocadas na torre, presumimos que do mosteiro, dominante da planície. Carcome Lobo teria, também, disposto guardas avançadas, porque no relatório afirma que às duas da tarde fora avisado por ‘vedetas avançadas’ de que o inimigo vinha dos lados de Portalegre. Estava, segundo esta versão, excluída a hipótese de surpresa... E de imediato o comandante se dispôs a defender as posições ocupadas, aprontando as duas bocas de fogo, todos os soldados armados e grupos a proteger os flancos. Outro grupo de militares colocou-se na retaguarda para procurar melhores posições; os carros de bestas foram retirados, na impossibilidade de fazer o mesmo com os que eram puxados por bois, bem mais lentos. A artilharia portuguesa disparou sobre o inimigo, retardando-o, mas a cavalaria lusa repetiu a proeza de Arronches, fugindo precipitadamente e, como ali, atropelando na fuga a infantaria incluindo o próprio Carcome Lobo. Perante o ímpeto atacante, os portugueses retiraram em direcção à Aldeia da Mata, onde se entrincheiraram atrás de muros de pedra e num pequeno bosque, mantendo um fogo nutrido até que, esgotadas as munições, e após duas horas de tiroteio, acabaram por se render na sua grande maioria, incluindo o próprio comandante. Os espanhóis fizeram mais de três centenas de prisioneiros que foram levados para Badajoz e posteriormente libertados, depois de darem a sua palavra de honra em como não voltariam a pegar em armas durante aquela campanha.
A descrição de Carcome Lobo colide com todas as outras versões, nomeadamente com a de Neves Costa, embora este não tenha sido testemunha do combate; e, o que é mais sintomático, contrasta com a de Francisco de Borja Garção Stockler. Este foi, como se sabe, um colaborador íntimo do duque de Lafões, apontado por muitos como o grande responsável pelos desastrosos resultados da campanha de 1801. Já no Brasil, em 1813, no livro que escreveu em resposta às acusações formuladas contra si e o duque por José Acúrcio das Neves, embora reconhecendo alguma valentia a Carcome Lobo, Stockler julga-o muito negativamente, considerando, tal como Neves Costa, que ele fora completamente surpreendido e que não tinha tomado as necessárias medidas para prevenir qualquer ataque inopinado.
Ao menos neste ponto, estava de acordo com José Acúrcio das Neves...

NOTA: José Acúrcio das Neves escreveu a esse propósito: “De Gavião se fez uma expedição para salvar os [depósitos] do Crato, que se compunha de 600 homens e 80 cavalos; mas inutilmente, porque em Flor da Rosa foi ‘surpreendida’ e feita quase toda prisioneira por forças superiores”.

In António Ventura, O Combate de Flor da Rosa, Conflito Luso-Espanhol de 1801, Edições Colibri, C. M. do Crato, 1996, ISBN 972-8288-23-9.

Cortesia de Edições Colibri/JDACT