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Désir ou o Canto do Cisne
«O segundo filho do conde de Barcelos foi Fernando, que por morte do
irmão mais velho, em1460, herdou o título. O Condado de Arraiolos pertenceu-lhe
desde criança por doação do avô Nuno, foi um ilustre homem de armas, combatendo
em Tânger, de cuja expedição foi Condestável e ascendeu a governador de Ceuta,
muito mais tarde. Três anos depois, veio precipitadamente ao Reino defender o Infante
Pedro por causa das intrigas do velho pai, Afonso, e de seu irmão, o gentil
conde de Ourém, cuja actuação foi sempre dúbia, pelo menos difícil, entre pai e
tio, a tentar uma posição de arbítrio e justeza que, pelas circunstâncias, era
impossível manter. Vinte anos antes da morte de Afonso, o quinto do nome,
Fernando de Bragança herdara o título de duque e a Casa de Bragança. Nasceram vários
filhos de D. Joana de Castro, sua esposa e filha de um ilustre fidalgo do
Reino. Filhos que vão constituir o cerne e o drama central da vida de muita
gente e do Homem que fundou o Império, abateu a soberba da casa mais rica e
potente da Península e, em certa medida, fez renascer o cisne de Alfarrobeira
até que a âguia bicéfala germânica o devorasse como irá um dia acontecer pois,
para mim, a morte atroz da ave sagrada de Platão iniciou-se nos areais da
Ribeira de Santarém, depois de Alfarrobeira, e terminou naquela noite de Outono
em Alvor.
Fernando, segundo duque de Bragança, teve os seguintes filhos:
- D. Isabel que faleceu solteira,
- Fernando, seu sucessor,
- João que foi marquês de Montemor-o-Novo,
- D. Catarina, muito bela, que esteve para casar com o terceiro conde de Marialva que morreu-durante a tomada de Arzila,
- Afonso, primeiro conde de Faro,
- Álvaro que, tal como todos os outros, teve um destino triste e morreu em Toledo, ainda não há muitos anos, em 1504, segundo me disse, por carta, um velho amigo que ficou em Lisboa.
Conheci-os todos, vivi com eles paredes meias, errei pelos paços, pelas
salas, escutei-os a rir, galantear, dançar nos serões do paço, vi-os
divertirem-se nas caçadas, nas festas. Observei no seu rosto todos os sentimentos,
desde o medo e da desconfiança à desmedida e descuidada alegria. Só que eu me
recordo deles e eles nem sequer deram por mim porque eu apenas fui mais um dos seus
servidores, criados, igual a muitas centenas de outros. Apesar de tudo, Álvaro
ainda cumpriu o seu destino em Castela. Esteve em Granada ao lado dos primos, os
Reis Católicos, foi senhor de Gelves e das alcaidarias de Sevilha e Andujar.
Mais feliz que os irmãos. Depois, com Manuel I, ainda regressou mas por pouco
tempo. A recta final do seu destino consumar-se-ia em Toledo e aí acabou.
Entretanto, mais que o destino de um homem, cumpria-se outro desígnio
maior, ou iniciava-se no segredo de Deus e na sua suprema sabedoria, um destino
mais vasto, aquele que conduz as nações e o mundo, a partir desse longínquo
Maio de 1449, mas cujo segredo se escondia numa noite em Tomar, quando o irmão
do Infante Pedro, o Rei Duarte, morria de peste depois de receber a
contaminação da doença no papel de uma carta vinda de Lisboa, cujos ares
pútridos faziam expandir o mal, no início de Setembro de 1438. Deixava um filho
menor, infante Afonso, agarrado a uma infância que se transformou numa dupla
orfandade, pois em breve seria separado da própria mãe.
Duarte casou com a Infanta D. Leonor de Aragão, filha do Rei Fernando
de Aragão, em Novembro de 1428. Dez anos de um casamento feliz, mas breve tal
como o seu reinado, como mestre Guedelha, astrónomo, prognosticara, um ano antes
da belíssima D. Isabel, filha de João, casar com o duque Filipe de Borgonha.
Foi no ano em que o pintor Van Eyck por cá andou afazer o retrato da Princesa
por ordem de Filipe a quem louvavam a serena beleza da Princesa de Portugal e, dizem,
que se apaixonou por ela...
Quatro anos antes pela Corte do duque Filipe andou o duque de Coimbra e
talvez não fosse alheio a isso o contrato de casamento e ainda os interesses
comerciais pois o Infante visitou prolongadamente Bruges e Gand. Quando em
Janeiro de 1430 o casamento entre a filha de João I e Filipe, “o Bom”, é consumado,
os laços entre Portugal e a Borgonha, do ponto de vista diplomático e
comercial, estão mais que confirmados. O filho herdeiro do rei Duarte, infante Afonso,
nasceu no mesmo ano que a sua primita, D. Isabel, filha do tio, o Infante Pedro
e da herdeira do Conde Urgel, com quem este se matrimoniara em 1428. A filha do
duque de Coimbra, um pouco mais jovem que o primo nascido em Janeiro, quatro
anos após o casamento dos pais, não adivinharia, então, pelos poucos anos de
vida, nem mais ninguém, aliás, nesse momento, que iria constituir o tronco firme
de onde sairia o homem que faria os Braganças morderem o pó do opróbrio e do
desespero. Por então, aquando da morte do tio Duarte, brincava nos braços das
amas, no Paço de Coimbra, mirando, talvez debruçada sobre os ombros das
camareiras e das aias, as brumas do Mondego e os suaves montes em redor,
pejados de olivedos e pomares, por entre o verde luminoso dos campos de cultivo
que pertenciam ao pai e que se estendiam até às areias do rio debruado de
fartos choupos que, quando a brisa soprava, varriam as suas águas junto às
margens como cabelos desgrenhados sob a luz de um espelho de prata banhado de
sol». In Seomara Luzia da Veiga Ferreira, Crónica Esquecida d’el rei João II,
Editorial Presença, Lisboa 1995, 4ª edição, Lisboa 2002, ISBN 972-23-1942-6.
Cortesia de Editorial Presença/JDACT