quinta-feira, 5 de abril de 2012

Garrett. De Fingimentos e Conclusões. Leituras. «Uma encenação que lhe permitiu ao ‘autor do texto’, não só proporcionar miúdas informações sobre a obra de Garrett mas também, e sobretudo, algo que os textos assinados pelo próprio escritor lhe não permitiam fazer com o mesmo á-vontade: o elogio rasgado das suas extraordinárias qualidades de escritor e de cidadão»



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Formas que teve o escritor de fazer o seu próprio elogio
«Não menos importante é, em minha opinião, essa outra declaração que, quase no final da vida (1853), faz numa breve apresentação das “Fábulas e Contos” confirmando que a sua carreira se tinha diversificado e multiplicado em ‘desvairados assuntos e géneros’, revelando, além disso que o tinha feito não ‘por vaidade’ mas por ‘honrar’ a língua portuguesa que ele sempre tinha sentido ‘[ser] para todo o género de composições’, assim, ao mesmo tempo, revelando o objectivo experimental que, além de outros, teriam guiado a sua carreira de escritor.

De fingimentos...
Deu, pois, Garrett, longa e variada satisfação da sua obra. E, repito, ainda bem que o fez. Nem sempre, porém, diz-se, o fez nesta primeira pessoa que aqui lhe ouvimos. Mais de uma vez Garrett terá posto na voz de uma terceira pessoa, não identificada, ou de um plural, ‘os editores’, textos de auto-apresentação que, imediatamente, foram lidos como sendo da sua autoria ou, mais tarde, numa ou noutra circunstância, atribuídos a ele próprio.
É este o “corpo” garrettiano que agora quero recordar e analisar, sendo consciente de que trabalho sobre uma hipótese e não uma certeza, a hipótese de que se tratam de textos escritos pelo próprio Garrett, uma certeza, a da autoria, a que, por outro lado, só nos poderíamos aproximar se sobre esses textos se pousassem os olhos da crítica textual que até hoje pouco tem feito pela fixação da sua obra, nem sequer da mais divulgada.
Talvez valha a pena confessar , para que o risco seja ainda maior ou para abonar o campo dos possíveis detractores, que de uma forma que não é, pois, científica, creio, sem grandes dúvidas, que esses textos são da autoria do escritor e que se o não forem, obviamente, grande parte da minha análise cairá por terra, e pela base. A começar pela ideia de ‘fingimento’ que muito me interessa na encenação desses textos e que deixo expressa no título deste comentário.
Uma encenação que lhe permitiu ao ‘autor do texto’, não só proporcionar miúdas informações sobre a obra de Garrett mas também, e sobretudo, algo que os textos assinados pelo próprio escritor lhe não permitiam fazer com o mesmo á-vontade: 
  • o elogio rasgado das suas extraordinárias qualidades de escritor e de cidadão.
Este estrondoso elogio de Garrett, que longa e, todavia, tão incompletamente transcrevo,  pode ler-se no prólogo à primeira edição em volume das “Viagens na Minha Terra”, de 1846. Normalmente transcrito como ‘Prólogo dos editores’ e escrito, como se vê, em terceira pessoa, rapidamente, no seu tempo, correu a ideia de que o seu autor era o próprio Almeida Garrett que, assim, despudoradamente, esmiuçava os variados e imensos atributos que faziam dele a mais importante figura pública da sua época, no campo das letras e também não pouco no da política». In Maria Fernanda Abreu, Leituras de Almeida Garrett, Revista da Biblioteca Nacional, 1999, Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Cortesia da BNP/JDACT