domingo, 23 de dezembro de 2012

A Alma Secreta de Portugal. A Reabilitação Científica do Esoterismo. «Talvez discordasse um pouco da denominação teosófica. A verdade é que Giordano Bruno é um hermetista, Newton era um alquimista e Ficino traduziu o Hermes Trismegisto»


Numa das paredes exteriores da casa egípcia da Quinta da Regaleira encontramos a representação da ave íbis
símbolo do deus Thot, deus egípcio da sabedoria que viria a ser helenizado como Hermes Trismegisto
o sábio três vezes grande, guardião da sabedoria oculta.
jdact e cortesia de wikipedia

(continuação)

A Reabilitação Científica do Esoterismo
Entrevista com José Manuel Anes

Os Quatro Elementos Constitutivos do Esoterismo
«Paulo: Em termos junguianos, podemos também afirmar que é a mediadora entre o inconsciente e o consciente, passando ao quarto elemento constitutivo do esoterismo ocidental, a noção de transmutação, ou de iniciação, essa ideia de modificação...
José: Precisamente. A Iniciação constitui uma modificação radical no modus vivendi.

O Mundo Imaginal e a Catástrofe Metafísica do Ocidente
"A raiz desta catástrofe pode situar-se, sem dúvida, no progressivo esvaziamento da alma como elemento mediador entre o corpo e o espírito. De facto, quando o mundo da alma desaparece, fica um enorme espaço vazio entre o mundo espiritual e o mundo material, os quais não podem, assim continuar”. In José Manuel Anes.

Paulo: Num dos seus trabalhos afirma que o mundo imaginal, esse mundo do meio, foi escorraçado do mundo ocidental pelas religiões instituídas. Tal afirmação recorda-nos, de imediato, a catástrofe do espírito do mundo ocidental assinalada por Corbin, o próprio que resgatou para o Ocidente esse mundo do meio através do estudo dos filósofos iranianos, sobretudo da tradição sufi que, curiosamente, denotam grande influência da filosofia neoplatónica. Assinale-se que o ãlam al-mitãl dos iranianos, que Corbin traduziu por mundus imaginalis, é um mundo invisível, etéreo mas bem real, que tem vida, cidades, anjos, seres incorpóreos...
José: Uma das componentes fundamentais que está na raiz e na própria estrutura do sufismo é, claramente, o neoplatonismo; que também existe na gnose e na cabala. É impressionante a influência de Platão nesses movimentos.
Paulo: O sufi é um gnóstico...
José: É um gnóstico, claro. E também o cabalista o é, se tivermos em atenção a sua doutrina das emanações. O sufismo constitui uma doutrina muito interessante do Islão, mas que o transcende, não o nega. Mas transcende-o claramente, integrando temas completamente universais. E foi exactamente esse ãlam al-mitãl que inspirou Corbin, que lhe veio a chamar mundus imaginalis, termo que já caiu no calão. Logicamente que para os psicólogos, e para alguns positivistas, é difícil estarmos aqui a defender um mundo intermédio entre a matéria e o espírito, um mundo psico-espiritual, mas a verdade é que Corbin fez essa proposta do mundo intermédio, entre o mundo sensível e o mundo das Ideias Puras (Ideias Arcangélicas). E a questão fundamental é que esse mundo da alma está hoje esmagado e, como dizia tanto Durand como Corbin, é, fundamental o ocidente ganhar espaço para esse mundo intermédio, o mundo da imaginação criadora, da poesia, da criação... onde é que está a alma, a poesia da vida?
Paulo: São os reflexos da tal catástrofe metafísica do Ocidente iniciada com a Escolástica do século XIII, segundo Corbin...
José: Mas depois agudizou-se mais com Descartes e atingiu não só a ciência, mas também a filosofia e, sublinhe-se, a teologia... Ninguém põe em questão a utilidade dessa evolução filosófica para o progresso do Ocidente. Ganhou-se em eficácia de acção sobre o mundo, sobretudo tecnológica, mas perdeu-se muito. Houve uma reacção fortíssima, desde logo, com os místicos e os esoteristas do século XVIII e com os poetas, esses resistentes. De seguida, o romantismo do século XIX, que foi claramente uma reacção para a recuperação desse imaginário, dessa vida interior; e depois, os próprios surrealistas...


Gravura de uma obra sobre alquimia, com Hermes Trismegisto segurando com o braço direito uma Esfera Armilar
e o fogo criador unificador dos princípios representados pelo Sol e pela Lua.
jdact e cortesia de wikipedia

Paulo: Lothar Thomas, na sua obra sobre filosofia portuguesa, observa um fenómeno interessante. (…) poderá talvez parecer estranho, o certo é que os primeiros passos da moderna ciência da Natureza foram teosóficos e completamente neoplatónicos. Quer dizer, foram os filósofos e investigadores espiritualistas que no Renascimento trouxeram novas ideias ao mundo, e depois o mundo apoderou-se das suas ideias mais físicas, no fundo a casca do seu pensamento, e rejeitou as outras...
José: Claramente. Talvez discordasse um pouco da denominação teosófica. A verdade é que Giordano Bruno é um hermetista, Newton era um alquimista e Ficino traduziu o Hermes Trismegisto.

In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições & Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.

continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT