Numa das paredes exteriores da casa egípcia da Quinta da Regaleira encontramos a representação da ave íbis,
símbolo do deus Thot, deus egípcio da sabedoria que viria a ser helenizado como Hermes Trismegisto,
o sábio três vezes grande, guardião da sabedoria oculta.
jdact e cortesia de wikipedia
(continuação)
A Reabilitação Científica do Esoterismo
Entrevista com José Manuel Anes
Os Quatro Elementos Constitutivos
do Esoterismo
«Paulo: Em termos junguianos, podemos também afirmar que é a mediadora entre o
inconsciente e o consciente, passando ao quarto elemento constitutivo do
esoterismo ocidental, a noção de transmutação, ou de iniciação, essa ideia de
modificação...
José: Precisamente. A Iniciação
constitui uma modificação radical no modus vivendi.
O Mundo Imaginal e a Catástrofe Metafísica do Ocidente
"A raiz desta catástrofe pode situar-se,
sem dúvida, no progressivo esvaziamento da alma como elemento mediador entre o
corpo e o espírito. De facto, quando o mundo da alma desaparece, fica um enorme
espaço vazio entre o mundo espiritual e o mundo material, os quais não podem,
assim continuar”. In José Manuel Anes.
Paulo: Num dos seus trabalhos afirma que o mundo imaginal, esse mundo do meio,
foi escorraçado do mundo ocidental pelas religiões instituídas. Tal afirmação
recorda-nos, de imediato, a catástrofe
do espírito do mundo ocidental assinalada por Corbin, o próprio que resgatou
para o Ocidente esse mundo do meio através do estudo dos filósofos iranianos,
sobretudo da tradição sufi que, curiosamente, denotam grande influência da
filosofia neoplatónica. Assinale-se que o ãlam
al-mitãl dos iranianos, que Corbin
traduziu por mundus imaginalis, é um
mundo invisível, etéreo mas bem real, que tem vida, cidades, anjos, seres
incorpóreos...
José: Uma das componentes
fundamentais que está na raiz e na própria estrutura do sufismo é, claramente,
o neoplatonismo; que também existe na gnose e na cabala. É
impressionante a influência de Platão nesses movimentos.
Paulo: O sufi é um gnóstico...
José: É um gnóstico, claro.
E também o cabalista o é, se tivermos em atenção a sua doutrina das
emanações. O sufismo constitui uma doutrina muito interessante do Islão,
mas que o transcende, não o nega. Mas transcende-o claramente, integrando temas
completamente universais. E foi exactamente esse ãlam al-mitãl que
inspirou Corbin, que lhe veio a chamar mundus imaginalis, termo
que já caiu no calão. Logicamente que para os psicólogos, e para alguns
positivistas, é difícil estarmos aqui a defender um mundo intermédio entre a
matéria e o espírito, um mundo psico-espiritual, mas a verdade é que Corbin
fez essa proposta do mundo intermédio, entre o mundo sensível e o mundo das Ideias
Puras (Ideias Arcangélicas). E a
questão fundamental é que esse mundo da alma está hoje esmagado e, como dizia tanto Durand como Corbin, é, fundamental o
ocidente ganhar espaço para esse mundo intermédio, o mundo da imaginação
criadora, da poesia, da criação... onde é que está a alma, a poesia da vida?
Paulo: São os reflexos da tal catástrofe
metafísica do Ocidente iniciada com a Escolástica do século XIII, segundo Corbin...
José: Mas depois agudizou-se
mais com Descartes e atingiu não só a ciência, mas também a filosofia e,
sublinhe-se, a teologia... Ninguém põe em questão a utilidade dessa evolução
filosófica para o progresso do Ocidente. Ganhou-se em eficácia de acção sobre o
mundo, sobretudo tecnológica, mas perdeu-se muito. Houve uma reacção
fortíssima, desde logo, com os místicos e os esoteristas do século XVIII e com
os poetas, esses resistentes. De seguida, o romantismo do século XIX, que foi
claramente uma reacção para a recuperação desse imaginário, dessa vida
interior; e depois, os próprios surrealistas...
Gravura de uma obra sobre alquimia, com Hermes Trismegisto
segurando com o braço direito uma Esfera Armilar,
e o fogo criador
unificador dos princípios representados pelo Sol e pela Lua.
jdact e cortesia de wikipedia
Paulo: Lothar Thomas, na sua obra sobre filosofia portuguesa, observa
um fenómeno interessante. (…) poderá talvez parecer estranho, o certo é que os
primeiros passos da moderna ciência da Natureza foram teosóficos e
completamente neoplatónicos. Quer dizer, foram os filósofos e
investigadores espiritualistas que no Renascimento trouxeram novas ideias ao
mundo, e depois o mundo apoderou-se das suas ideias mais físicas, no fundo a
casca do seu pensamento, e rejeitou as outras...
José: Claramente. Talvez
discordasse um pouco da denominação teosófica. A verdade é que Giordano
Bruno é um hermetista, Newton era um alquimista e Ficino
traduziu o Hermes Trismegisto.
In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições &
Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.
continua
Cortesia de Ésquilo/JDACT