segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A nossa Académica. O nosso Expresso. A nossa Juventude. Nós e o Jorge C. «Um dente que estava são e agora não, um cabelo que ainda ontem preto era, dentro do peito um outro, sempre mais velho coração, e na cara uma ruga que não espera, que não espera...»

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In Memoriam de MNR
(1950-2012)

Toma lá cinco!
Encolhes os ombros, mas o tempo passa...
Ai, afinal, rapaz, o tempo passa!

Um dente que estava são e agora não,
um cabelo que ainda ontem preto era,
dentro do peito um outro, sempre mais velho coração,
e na cara uma ruga que não espera, que não espera...

No andar de cima, uma nova criança
vai bater no teu crânio os pequeninos pés.
Mas deixa lá, rapaz, tem esperança
Este ano talvez venhas a ser o que não és...

Talvez sejas de enredos fácil presa,
eterno marido, amante de um só dia...
Com clorofila ficam os teus dentes que é uma beleza!
Mas não rias, rapaz, que o ano só agora principia...

Talvez lances de amor um foguetão sincero
para algum coração a milhões de anos-dor
ou desesperado te resolvas por um mero
tiro na boca, mas de alcance maior...

Grande asneira, rapaz, grande asneira seria
errar a vida e não errar a pontaria...

Talvez te deixes por uma vez de fitas,
de versos de mau hálito e mau sestro,
e acalmes nas feias o ardor pelas bonitas
(Como mulheres são mais fiéis, de resto...)

Dores
Às dores inventadas
prefere as reais.
Doem muito menos
Ou então muito mais...

Soneto
No céu duma tristeza cor de farda,
uma angústia de nuvens se desenha.
O amigo já morreu: que o tempo venha
desmantelar o que a memória guarda.

Jogai! Jogai! Quem não jogar não ganha
nem perde. É a última cartada.
Eu aposto na vida, mesmo errada.
Talvez outro destino me sustenha.

Avião de Lisboa para o mundo,
apaga-me a tristeza com as asas,
tão nítidas no céu em que me afundo!

Depois desaparece atrás das casas
e deixa-me o azul, o azul profundo,
e duas nuvens de razão tocadas.


Mesa dos Sonhos
Ao lado do homem vou crescendo.
Defendo-me da morte quando dou
meu corpo ao seu desejo violento
e lhe devoro o corpo lentamente.
Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
todas as formas e começam
todas as vidas.
Ao lado do homem vou crescendo.
E defendo-me da morte povoando
de novos sonhos a vida.

Poemas de Alexandre O’Neill, in Poesias Completas, 1951/1986

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