Testemunho de António Pinheiro
«Aos nove dias do mês de Maio de mil quinhentos e setenta e um anos, em
Lisboa, nos Estaus, na Casa do Despacho da Santa(?) Inquisição (maldita),
estando aí os Senhores Inquisidores e o padre frei Manuel da Veiga, deputado,
ante eles pareceu, sendo chamado António Pinheiro, tesoureiro das Tapeçarias de
El-Rei Nosso Senhor, e lhe deram juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs
sua mão. E prometeu dizer verdade. E lhe fizeram pergunta se era lembrado dizer
alguma pessoa que sabia de outra que não ia à Igreja de onde era freguês ouvir
os ofícios divinos, os dias de obrigação da Igreja; e que chegaram a evitá-la por
isso. Por ele foi dito que outra coisa não sabe senão que Damião de Goes, que
está preso neste cárcere, via ir muito poucas vezes à igreja de Santa Cruz de
onde era freguês, todo o tempo que ele testemunha morou pegado com ele, nos
Paços da Alcáçova, onde ambos pousavam, que foi por espaço de cinco ou seis
anos. E que via cavalgar ao dito Damião de Goes, aos domingos e festas, com sua
gente que o acompanhava; e dizia que ia ouvir missa a São Bento, onde tinha
dois filhos frades; e que também, no sobredito tempo, via ir à freguesia algumas
vezes, mas que eram poucas. E que outra coisa não sabe do que lhe foi
perguntado.
Perguntado quem eram os criados de sua casa que levava consigo e como
se chamavam, disse que levava um escravo que chamavam Sebastião e assim um
pajem que chamavam Jerónimo e assim um homem de esporas a quem não sabe o nome,
por lhe não lembrar. E al não disse.
E foi mandado, sob cargo de juramento, que tivesse segredo no caso. E
assim o prometeu do costume que é compadre e amigo do dito Damião de Goes; e
assinou com eles Senhores Inquisidores (malditos) e eu, Pedro Álvares, notário do
Santo Ofïcio, (maldito) que o escrevi. Simão Sá Pereira, frei
Manuel Veiga, António Pinheiro.
Precatório
‘O licenciado Jorge Gonçalves Ribeiro e o doutor Simão de Sá Pereira,
do Desembargo de El-Rei Nosso Senhor, Inquisidores Apostólicos contra a
herética pravidade e apostasia neste arcebispado de Lisboa e sua comarca, etc. Fazemos
saber aos muito Magníficos e muito Reverendos Senhores Inquisidores (malditos) da
cidade e arcebispado de Toledo e seu distrito que, no cárcere deste Santo Ofício
(maldito), está preso um Damião de Goes, cristão velho, português, guarda-mor
da Torre do Tombo, contra o qual tem testemunhado o padre Mestre Simão, da
Companhia de Jesus e se diz residir no colégio ou casa da dita Companhia dessa
cidade ou aí muito perto.
E, para que o processo do dito Damião de Goes posse ir avante e se dê
despacho em sua causa, é necessário ratificar-se o dito padre Mestre Simão em
seu testemunho. Pelo que requeremos a Vossas Mercês da parte da Santa Sé
Apostólica e da nossa pedimos, mandem vir perante si ao dito Mestre Simão e o
ratificarão na forma do Direito em o dito seu testemunho cujo treslado vai com
este em maneira que faça fé em juízo e fora dele segundo estilo do Santo Ofício
(maldito) e posto que no dito testemunho vá outra pessoa nomeada que já é
falecida, não vai para mais que para lembrança do dito padre Mestre Simão. E
não será ratificado senão no que toca ao dito Damião de Goes somente. E tanto
que for ratificado Vossas Mercês pelo portador nos enviarão a dita ratificação
junta ao dito testemunho e a este nosso precatório tudo cerrado e selado, com a
brevidade possível, por cumprir assim ao serviço de Nosso Senhor e bem do Santo
Ofício (maldito) e se dar despacho ao preso.
Dado em Lisboa, sob nossos sinais e selo do dito Santo Ofício (maldito),
aos nove dias do mês de Abril, João Velho, notário apostólico e
escrivão da Santa Inquisição (maldita), o fez, de 1571, Jorge Gonçalves Ribeiro, Simão Sá
Pereira.
Em Toledo
En la muy noble y muy leal ciudad de Toledo, veinte días del mês de
abril de mil y quiñienros y serenta y un años, ante el señor licenciado Juan
Beltrán de Guevara Inquisidor apostólico en la dicha ciudad y Reyno de Toledo
que al presenre preside solo en la dicha Inquisición (maldita), estando dentro
de su eposenro que es las casas de la dicha Inquisición (maldita) y presentes
por personas honestas y religiosas, los muy Reverendos frey Francisco de Trianos,
prior del monasterio de S. Pedro Martir de la Orden de Santo Domingo, y frey
Gaspar de los Reyes presentado en la dicha orden y consultor en la dicha Inquisición
(maldita), que tienen jurado el secreto, pareceu siendo llamado un clérigo en
la Compañía de Jesús de la dicha ciudad del qual fue recebido juramento en
forma de verdad decir y prometió decii la verdad y dizo llamarse Mestre Simon y
siendo perguntado dizo que se acuerdaba haver dicho cierto dicho de cosas
tocantes al Santo Oficio de la Inquisición (maldito) muchos años contra un
Damião de Goes portugués en la Inquisición (maldita) de la ciudad de Evora». In
Raul Rêgo, O Processo de Damião de Goes na Inquisição, Assírio & Alvim,
2007, ISBN978-972-37-0769-4, Peninsulares/57.
continua
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