Testemunho do duque de Aveiro, João de Alencastre
«Aos vinte e cinco dias do mês de Maio de mil quinhentos e setenta e um
anos, em Lisboa, o senhor Simão Sá Pereira, Inquisidor (maldito), foi às casas
e aposento do Ilustríssimo Senhor João, duque de Aveiro, por causa de sua
Ilustríssima Senhoria estar mal disposto e não poder ser perguntado em outra
parte; e lhe deu juramento dos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão, e
prometeu dizer verdade.
E lhe fez pergunta se sabia Sua Senhoria de alguma pessoa que fizesse
ou dissesse alguma coisa contra nossa Santa Fé Católica; e por ele foi dito que
não sabe outra coisa somente que haverá, digo, que de tempo certo se não
lembra, somente foi depois que começa a capela em o mosteiro de São Domingos da
cidade de Coimbra, na capela-mor, que fez para sua sepultura, veio a falar com
Damião de Goes, que ora está preso no Santo Ofício (maldito), sobre a dita
capela; e nesta prática lhe disse o dito Damião de Goes que olhasse Sua
Ilustríssima se seria mais seguro fundar a dita capela em uma igreja paroquial que
em mosteiro; e Sua Senhoria lhe não respondeu coisa que lhe lembre. Somente
depois que o viu preso lhe pareceu que dizia o dito Damião de Goes aquilo
porque em Alemanha desfaziam alguns mosteiros e que as paróquias ficavam; e por
isso lhe disse que seria mais seguro e de mais dura fundar a dita capela na
paróquia que em mosteiro.
E assim é mais lembrado dizer-lhe o padre Mestre Simão que, em França
ou em Itália, tinham ao dito Damião de Goes por suspeito pela comunicação que
tinha com Erasmo, segundo sua lembrança; mas que se afirma dizer-lhe o
dito Mestre Simão que se tinha suspeita da cristandade do dito Damião de Goes e
que em tudo isto advertiu muito pouco ou nada, senão depois que o viu preso
pelo Santo Ofício (maldito) e o contou a Pedro seu filho, o qual avisou o Santo
Ofício (maldito) por uma carta. E que de outra coisa não é lembrado.
E ao costume disse nada e lhe foi encomendado o segredo deste caso, e
ele o prometeu, e assinou com ele senhor Inquisidor (maldito) e eu João Velho, notário apostólico, o
escrevi - o duque… - Simão Sá Pereira.
Testemunho de Dona Maria de Távora
Aos vinte e um dias deste mês de Maio de mil quinhentos e setenta e um
anos, em a cidade de Lisboa, nas pousadas da Srª Dona Maria de Távora, dona
viúva, mulher que foi de António Teixeira da Silva, estando aí o senhor Simão
Sá Pereira, Inquisidor (maldito), por ela dita senhora Maria estar doente em
cama e não poder dar seu testemunho, nem poder ser perguntada em outra parte,
lhe deu juramento aos Santos Evangelhos, em que ela pôs sua mão, e prometeu dizer
verdade.
E lhe foi dito se era lembrada dizer-lhe os dias passados, a ele
Inquisidor (maldito), certa coisa que lhe parecesse mal e a escandalizasse por
ser contra nossa Santa Fé Católica, que lhe contaram de alguma pessoa. E por
ela foi dito que lembrada era contar-lhe como Manuel Correia Meneses, morador na
sua quinta do Carregado, termo de Alenquer, no campo da Marinha, casado com
dona Joana de Távora, sua sobrinha, haverá quinze dias pouco mais ou menos, lhe
disse que vindo ele com Bastião Macedo, veador da casa do cardeal infante Nosso
Senhor, vindo ambos das quintas para esta cidade praticando pelo caminho acerca
da prisão de Damião de Goes, lhe veio a dizer o dito Bastião Macedo que seu
pai, Bastião Macedo, já defunto, dissera muitas vezes a ele seu filho, e assim
em sua casa, que havia medo que haviam de prender o dito Damião de Goes por luterano
e por ser inclinado duas coisas, a saber: a comer e beber muito e às coisas da
carne». In Raul Rêgo, O Processo de Damião de Goes na Inquisição, Assírio &
Alvim, 2007, ISBN978-972-37-0769-4, Peninsulares/57.
continua
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT