«O comércio levava-os a estabelecerem-se também, quer por conta própria,
quer por conta de um familiar mais rico que permanecia em Portugal, como
veremos, em Sevilha, Córdova, Granada, Málaga e até mais longe como Valença de
Aragão e Múrcia. O Golfo, a Flandres e a Itália eram a possibilidade ansiada
para alguns de abjurarem o cristianismo e abraçarem o judaísmo. O Golfo, ou
seja a Turquia, foi o objectivo alcançado por Á1varo Abreu, de Portalegre.
António Lopes, mercador desta cidade, partiria para França e Flandres e, no
regresso, ao reino, fixar-se-ia em Lisboa. Amador Rodrigues trocaria Portalegre
por Lisboa e aqui embarcaria para a Flandres. Nem todos tiveram sorte no salto
para a abjuração ou para uma melhor situação económica fora do reino, numa fuga
à carestia da vida que aqui se fazia sentir. Tal sucedeu com vários membros de
uma família cristã nova de Fronteira que seriam presos pela Inquisição (maldita)
de Lisboa quando já estavam embarcados na nau que os levaria à Flandres.
Outros tentavam a sorte em regiões mais distantes. Fernão Álvares, tendeiro
de Elvas, filho de Lopo Vasques Saragocim, trocou a sua terra por Córdova. Daqui
partiria para o Perú donde regressaria a Elvas, ao fim de alguns anos. Seria
preso a pedido dos inquisidores de Évora, quando fugia para Estremoz. João Álvares
optaria também pelas Índias espanholas.
Os cristãos novos procuravam agora e aqui identificar-se pela posse e trabalho
da terra como os cristãos velhos. Vários intitular-se-iam lavradores, como
Gaspar Fernandes, Duarte Gomes, morador na Carreira dos Cavalos, à porta de
Olivença, Garcia Gomes, João Nunes, ou Diogo Pires, mercador e lavrador, todos
residentes em Elvas. As suas herdades incidiam de preferência no cultivo da
vinha e da oliveira, cujos produtos eles depois mercavam. A agricultura definia
o cristão, tal como o comércio e o empréstimo a juro caracterizava o judeu e o
seu ascendente baptizado, de facto, a sua preferência permanecia ligada às
artes e ao comércio, agora declaradamente peninsular. A itinerância ligada à
emigração definitiva ou temporária marcava-o, quer numa atitude de defesa perante
os diversos tribunais inquisitoriais peninsulares, quer por razões de negócios.
Não temos dúvidas que é junto dos cristãos novos, mesmo habitando concelhos do
interior, que nós vamos encontrar os fundamentos do capitalismo comercial
moderno português.
De facto alguns destes mercadores, residentes em Elvas e Portalegre
possuíam livros de contas, emprestavam a crédito, usando-o quer nas vendas
diárias, quer nos negócios das feiras que frequentavam. O seu raio de acção
estendia-se a Penela, junto de Coimbra, famosa pela sua feira de Setembro, a
Lisboa, ou às feiras da região alentejana, como Flor da Rosa, Vila Viçosa,
Arraiolos, Elvas, etc., às feiras de Medina del Campo, Vi1lalón, junto de
Córdova, de Ubeda ou ao comércio das cidades, como Málaga, Córdova, Toledo, Granada
e Sevilha, no reino vizinho.
Tomemos alguns exemplos. Diogo Álvares Soriano, o embetilho, residia na
Carreira dos Cavalos, em Elvas. Tivera inicialmente uma tenda de marçaria,
antes de ser mercador de panos da Índia. Frequentava Lisboa e as feiras, sobretudo,
a que se iniciava em Vila Viçosa a 2 de Fevereiro e durava três dias, a de Flor
da Rosa, a de Elvas, vendendo fiado pelo que aí permanecia mais alguns dias à
espera do pagamento. Badajoz e Toledo eram-lhe tão familiares como Elvas, o
mesmo sucedendo com as feiras de Medina del Campo, onde se abastecia de lençarias,
holandas, sarjas e outras mercadorias, e a de Villalón, perto de Córdova.
Despachava mercadorias para Málaga, onde se encontravam outros cristãos novos de Elvas, para Badajoz e Ubeda, onde tinha familiares, e em Córdova, noutros cristãos novos portugueses, seus conterrâneos, tinha especiarias no valor de 600 cruzados de ouro». In Maria Ferro Tavares, Judeus e Cristãos Novos no distrito de Portalegre, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de 1987.
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