In Memoriam de FJB e MMR
«Para lá deste olhar profundo, há outro espaço, outro mundo, que não
sei dizer. Unicamente sinto e pressinto a realeza de estar vivo quando pardais
soltos voam sobre mim e espalham liberdade em meu redor, num chilrear constante
e melodioso que transforma pensamentos em palavras e enche páginas brancas do
meu Eu.
Mas muito mais do que palavras, paira no ar o silêncio de horas gastas,
que adia respostas, porque perguntas não há que resistam ao fugitivo, sempre em
viagem de sonhos.
Não preciso sequer de tentar compreender a distância que separa a Vida
da Morte. O tempo não é o que escolhi, mas sim o espaço onde mora o meu corpo,
rodeado de outros corpos inquietos, indecisos e desesperados, à procura de
coisas exteriores que não alimentam o sentido da vida.
E tantas vezes obrigado a não ser livre no mundo dos outros, escolho a
solidão num canto do meu jardim, onde fecho a porta à hipocrisia e ao egoísmo, em
defesa do castelo que construí. Aqui dentro, sim, tenho tudo aquilo que enche a
alma de ar puro e fresco, porque num espaço sem gente, a força da razão e do
amor suplanta a nostalgia de estar só. Neste lado de cá, encontro-me mais
dificilmente e cada vez mais raramente, porque o vazio inunda a alma das
gentes, tão perdidas num labirinto de materialismo e malabarismo. Nesta
sociedade que brilha simplesmente à custa do sol, sobressai a pequenez do Ser,
mirrado de inveja e vaidade.
Consumindo e consumido, o Homem transborda de agressividade,
denunciando-se a si próprio.
Espectador das muralhas do meu castelo, enxergo as dores das crianças.
Esses olhos inocentes e profundamente tristes, que nada entendem da crueldade
do Homem.
Muitas lágrimas, que então ensopam o rosto do meu Eu, descem à terra
seca para que as flores voltem a nascer!»
JDACT