«Pouco se sabe, tanto quanto seria desejável, a respeito de Jorge de Melo. Não está feita a
biografia completa. Dados disponíveis são apenas notas, algumas notas, e
registos dos estudiosos da história da Igreja em Portugal, donde os
coordenadores de enciclopédias e dicionários históricos retiram os apontamentos
mínimos para informarem de modo genérico o público curioso.
Carece-nos
a nós próprios o tempo para atenta e dilatada investigação, de modo que esta
proposta não será mais que uma reflexão sem outras pretensões que não sejam as
de relembrar o homem que, vindo de terras distantes, legou a Portalegre um importante
património cultural. Das linhas biográficas, aliás muito elementares, que lhe
dedicou na sua obra Évora Ilustrada o padre António
Franco, que para a sua cidade se esforçou denodadamente e, às vezes, com
evidente exagero e correndo riscos, por atrair glórias e virtudes, declara-o
natural da capital transtagana, notícias que apenas reencontramos em Gama e Castro, praticamente redigidas
nos mesmos termos.
Na
verdade, àquela cidade estão ligados os Melos da Casa Cadaval, e são
estes os da linha do bispo Jorge. Uma sua parente, D. Joana de Melo, monja e
abadessa bernarda do Convento de Portalegre, é tida por vários autores
como igualmente natural de Évora. Não se estranhará, pois, aceitar-se para o
bispo Jorge a mesma pátria alentejana. É das crónicas, designadamente das
páginas da Alcobaça Ilustrada que Jorge
de Melo, feito bispo da Guarda em 1519, se recusou a tomar assento nesta
cidade, atribuindo-se-lhe a desculpa de que não queria viver na terra onde
matavam os bispos, alusão clara à morte violenta do bispo Álvares de Chaves,
apunhalado no ano de 1496 por um seu criado que pretendia, e conseguiu,
arrebatar-lhe as chaves do cofre episcopal.
Sabe-se comprovadamente que Jorge de Melo fora forçado a aceitar o
bispado em troca da famosa e proveitosa Abadia de Alcobaça, pois esta a
cobiçara a rainha D. Maria para seu filho Afonso, com cuja acomodação na vida muito se preocupou e para o qual, quando
ainda não atingira os 8 anos de idade, já alcançara os bispados de Évora
e de Viseu, um cardinalato, o arcebispado de Lisboa e o priorado do Mosteiro
de Santa Cruz de Coimbra. De facto, embora titular também do bispado da
Guarda, a abadia de Alcobaça representava honrarias especiais e benefícios de
grande vulto. Abade perpétuo do mais rico convento do país seria, além de
particularíssimo privilégio, segura garantia de um futuro tranquilo. Eram, na
realidade, extraordinárias, no sentido mais exacto desta expressão, as
benemerências dos abades daquele mosteiro cisterciense:
- acumulavam os títulos, e correspondentes rendas e prerrogativas, de fronteiros-mores das suas terras e alfândegas do mar, de esmoleres-mores;
- o direito, com seus criados, a aposentadoria por onde quer que se deslocassem, em tudo segundo se praticava com as pessoas reais;
- isenção de sisas e portagens; propriedade e rendimentos dos riquíssimos coutos anexos, etc, etc.
Por
tudo isto e pela ilustração, prestígio e respeitabilidade eclesiástica e social
do cargo, muito bem instalado se sentiria nele Jorge de Melo desde o momento em
que o seu protector Jorge da Costa, cardeal de Alpedrinha e bispo de
Frassati, assim o houvera por bem e o determinara em Roma no ano de 1505 ao
renunciar, ofendido que estava pela desfeita de el-rei João II que aceitara a
eleição de frei João Claro na sucessão alcobacense de frei Isidoro de
Portalegre. Manifestara o cardeal particular estima por Jorge de Melo, que
entretanto em Roma se passeava sem alarde, fidalgo nobilíssimo dos deste apelido,
o qual assistia na cidade pontifícia como filho segundo para se acomodar pelo
eclesiástico, provavelmente à espera de uma oportunidade.
Seu
nome secular era Simão, filho de Garcia de Melo, alcaide-mor de Serpa, e de D.
Filipa Pereira da Silva
e teve como irmãos Jorge de Melo, monteiro-mor que foi de D. João III, Henrique
de Melo, o primogénito, alcaide-mor na sucessão do título paterno, sobrinho do
alcaide-mor de Olivença Martim Afonso de Melo, senhor de Ferreira, origem da
Casa dos Duques de Cadaval. Do seu protector de Roma, teria provavelmente Simão
de Melo retirado e aproveitado o primeiro antropónimo, talvez, quem sabe?, como
demonstração de admiração e reconhecimento.
Retomemos, porém, a sequência biográfica para
afirmarmos a convicção, aliás subscrita por diversos autores de que Jorge de
Melo se recusara a entrar na cidade da Guarda, espírito atrabiliário que era e
sempre mal disposto, relata Fortunato
de Almeida, certamente mais violento que melancólico, para demonstrar a
sua contrariedade pela imposta nomeação prelatícia, e nessa sua
disposição se fundamentará a intencional ausência para lugares
distantes, os mais distantes, da diocese, primeiro, segundo se crê, para
Abrantes e pouco depois para Portalegre, em definitivo». In Ibn
Maruán, Manuel Inácio Pestana,
Revista Cultural do Concelho de Marvão, Coordenação de Jorge Oliveira, nº 4,
1994.
continua
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