terça-feira, 7 de maio de 2013

O Conto da Sereia. Lenda dos Marinhos. Gonzalo Ballester. «Esses Marinho de Vilaxuán eram um tanto parentes da minha mulher, mas por linha feminina, de maneira que não coube nada do sangue da Sereia à Josefina, que então era minha noiva»

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«Esta é a história que com mais solenidade e mais por miúdo teria que lhes contar, traduzida talvez do texto português, e com a requerida erudição como garantia de que eu não a inventara, de resto, por estas costas, eram muitas as gentes que a conheciam, e se agora já se não recorda, ao desinteresse dos jovens pelo passado e pelos seus longínquos genitores se deve. Mas em bastantes casas e casarões de campo, de cidade ou de marinha, campeia a silhueta da Sereia nas pedras heráldicas. Haveria, digo, pois, que concluir essa advertência. Mas, como? Assim, porque sim, ao princípio, com parecidas palavras: Quem não ler isto, não compreenderá o resto? Ou habilmente emulsionada no relato, como chave explicativa de uns acontecimentos até então enigmáticos ? Não teria sido má ideia, não, fazer do desaparecimento de Alfonso Marinho um romance policial, e do texto de Barcellos em lusitano a explicação do mistério; mas aconteceu, entre outras coisas, que Alfonso Marinho desapareceu à vista de algumas pessoas, e que não ia sozinho.
Tinha, finalmente, ao meu dispor, quem duvida?, muitos outros procedimentos tradicionais, mas nenhum me satisfez, o mesmo me sucedeu, como se viu ou se verá, na história que intitulo A Pousada dos Deuses Amáveis, e eu considerava-me com provável justiça incapaz de qualquer invenção original. E assim foi ficando a história dos Marinho de Vilaxuán sem escrever, embora a tenha contado muitas vezes, e sempre com diferentes palavras, as que me vinham à cabeça. Como é que o fiz? De várias maneiras. O piscar de olhos e a citação erudita, quando se está frente a frente, revelam-se mais aceitáveis, ou talvez por cortesia ninguém lhes faz objecções, e salvados os primeiros escolhos, o induvidável encanto da história faz esquecer essa muleta em que se apoia o meu conto.
Esses Marinho de Vilaxuán eram um tanto parentes da minha mulher, mas por linha feminina, de maneira que não coube nada do sangue da Sereia à Josefina, que então era minha noiva. Insisto: coisa de sogras por um lado e por outro. Mas davam-se bem e mantinham amizade, apesar da distância: convidavam-se para os casamentos, para os baptizados e para as festas dos respectivos padroeiros e nunca se esqueciam de dizer, quando vinha a propósito: Ah, sim, Vilaxuán! Eu tenho lá, parentes! De maneira que quando Josefina e eu estávamos para casar, achou-se conveniente que fôssemos visitar os Marinho, um dia, para me conhecerem e nos darem os parabéns, e desta visita se tratou por missivas e recados. Do casamento já estavam ao corrente, e de mim tinham-lhes chegado, segundo depois soube, as piores informações: que carecia de ofício que isso de ser escritor era um chorrilho de ilusões, e que onde é que estavam os livros que o demonstrassem: opiniões saídas de Vilaxuán por escrito e que secretamente Josefina julgava desbaratar com a minha presença, pois supunha que eu ia parecer simpático aos seus parentes». In Gonzalo Torrente Ballester, El Cuento de la Sirena, Dafne Ensueños, O Conto da Sereia, Lenda dos Marinhos, Difel, Lisboa, 1986.

Cortesia de Difel/JDACT