«(…) à edificação de uma
casa de asilo para a infância desvalida no lugar do Campo Grande, e o resto e o
mais que se pudesse alcançar, em partes iguais
para o Hospício das Irmãs da Caridade
e para a nova casa de asilo que se projectava criar no sítio do Barreiro. Em 20 de Outubro foi decretada a amnistia
geral.
Assim se inaugurou o reinado do monarca Pedro V.
No governo, confirmado pelo
novo monarca, achavam-se o duque de Saldanha na Presidência do conselho e na pasta
da Guerra; no Reino Rodrigo da Fonseca Magalhães; na Justiça Frederico Guilherme;
na Fazenda Fontes Pereira de Melo; na Marinha visconde de Atouguia. Fontes tinha
também a pasta das Obras Públicas, e Atouguia a dos Estrangeiros. Eram ainda os
representantes da revolução, ou antes da revolta de 1851. E era com eles que o rei tinha de governar, enquanto os factos
não lhe aconselhassem ou impusessem uma mudança de ministério. O primeiro acto,
praticado por Pedro V, foi a instituição
da Caixa Verde. Dois dias depois da
aclamação, aparecia na folha oficial este anúncio na última página do periódico:
- O Camarista de Semana previne o Público que do dia 20 do corrente mês em diante, Sua Magestade El-Rei não receberá requerimentos, nem papéis alguns na rua, e que para este fim se mandarão no Real Paço das Necessidades, junto à portaria do antigo convento, colocar duas caixas para os receber; uma, pintada de azul, destinada aos requerimentos que tendam a obter socorros ou esmolas; outra, pintada de verde, para as súplicas dirigidas a outros fins. Igualmente se previne que todos os sábados as pessoas interessadas ali poderão ir receber o despacho das suas súplicas do meio dia às duas horas da tarde. Paço das Necessidades, 18 de Setembro de 1855, conde de Linhares, Camarista de Semana.
Estava aqui a origem dos maiores dissabores que o rei havia de ter por
muito tempo, enquanto a Caixa
não fosse retirada, e das desavenças constantes entre ele e os seus ministros.
O rei não despachava sem ler primeiro os decretos, demorando, por vezes, alguns
para os estudar, pedindo informações que o habilitassem a dar uma referenda conscienciosa.
Dez dias depois de ter principiado o seu governo escrevia Pedro V a Rodrigo da Fonseca:
- Como ontem ao despacho não houvesse o tempo para lê-lo (um regulamento) e como eu não quero poder acusar-me de ter assinado um papel sem o ter lido, fiquei com ele até esta manhã; que só agora achei o tempo para lê-lo.
E a Saldanha dizia:
- Eu não desejo autorisar medida alguma que eu não tenha estudado. Desejo sempre estar seguro e em plena consciência do que faço.
A Caixa Verde funcionava sem novidade. Em 25 de Setembro dizia o rei Pedro V a Rodrigo:
- Entre os papéis que hoje recebi da Caixa achei uma representação sobre a gerência administrativa da Santa Casa da Nazaré. Se os factos são verdadeiros merecem algum remédio, sobretudo o corte de pinhais de que nela é acusada a Administração.
Faria Rodrigo obra pelas
denúncias anónimas lançadas na Caixa Verde?
Não é de crer. A maior parte dos decretos vinham glosados pelo rei. Os dois
de 28 de Novembro, um aprovando os novos estatutos dos sócios do Montepio das
Secretarias do Estado e outro a Caixa de Socorros Mútuos voltavam acompanhados de
comentários feitos por seu punho. Esta interferência activa do rei nos negócios
públicos, o desejo de os estudar, provinham principalmente da educação que recebera.
O rei, era na sua principal feição, um escolar, trabalhando no seu gabinete e tendo
prazer no esforço da sua inteligência. Aos dezoito anos sabia tudo, porque muito
lhe tinham ensinado e muito também tinha aprendido nos livros, nas viagens e no
trato com os homens eminentes do seu país.
Deixando a mestra D. Maria
Carolina Mishisch, fora em 5 de Agosto de 1847,
aos 10 anos, entregue aos cuidados de Martins Bastos que lhe ensinou latinidade.
Dirigiu-lhe toda a educação o visconde da Carreira, como seu aio, e cujos serviços
Pedro retribuiu com a maior dedicação.
Entregue ao compêndio de gramática latina do padre António Pereira, deu logo a primeira
lição, sabida na ponta da língua, no dia 11 de Agosto. Já no meado de Outubro, decorridos
apenas dois meses de gramática, o infante
Pedro estava a braços com o Eutropio
e com o Phedro. O professor extasiase
perante a inteligência do aluno e escreve:
- … afirmo que, nem quando estudei nas aulas, nem depois que exerço o magistério, encontrei um talento tão abalisado, uma aplicação tão constante, uma vontade tão pronta, uma índole tão dócil, uma gravidade e modéstia que se lhe possa assemelhar, de modo que mais parecia um homem de edade madura do que um menino de nove anos e dez meses.
Mal podia sonhar o mestre
que o discípulo se ria das suas lucubrações alfarrábicas
e tabacais. É verdade que para o consolar,
o discípulo o presenteara com um capote finíssimo de pano azul ferrete,
gola de veludo, e forrado de orleans, com seus cordões mui compridos, e borlas de
retrós preto e tudo na maior perfeição. Também lhe adoçara a boca com uma
condeça de doces muito finos e primorosos, uma pouca de anona muricata, duas excelentes
maçãs e seis penas de escrever. E assim fazendo progressos na língua latina,
chegou Pedro ao fim de 1847».
In Júlio de Vilhena, D. Pedro V, O Seu Reinado, Academia das Ciências
de Lisboa, DP 664V55, 610415, 4755, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921.
Cortesia da U de
Coimbra/JDACT