quarta-feira, 8 de maio de 2013

A Teologia de Leonardo Coimbra. Pinharanda Gomes. «O exposto não tira à revista o perfil republicano e anticatólico que logo definiu. Mas este anticatolicismo era, como depois se viu em Leonardo, Pascoaes e Corrêa d'Oliveira, um anti-romanismo»


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«(…) Uma polis sem amor é uma polémica uma guerra civil. O que torna a polis pacífica e feliz é o fluxo do amor, que não provém senão dos ramos marulhantes. Assim: Deus será o início, e o final do Mundo. É Deus, depois é o Mundo, e de novo é Deus. Poesia, Filosofia e Religião constituem os sinais renascentistas. A política seria tão só o planeamento, pôr no chão da prática, aqueles sinais, de modo a que a cidade fosse o paraíso. Enquanto os grupos posteriores, como Seara Nova e Nação Portuguesa tonificam as causas terceiras, história e política, os poetas e os pensadores de A Águia querem a tónica nas segundas causas, por virtude da primeira. Na falta de um compromisso com qualquer eclesial grupo ou comunidade, os aguilistas mergulham num quase arroubo ou transporte de dissolução panteísta. A vertebração do pensamento é, no entanto, ascensional: Pascoaes, no admirável A Arte de Ser Português deixaria, não tanto o manual do cidadão, como o catecismo da religião lusitana, um cristianismo autónomo, não-romano, um cristianismo dos antigos pagi, qual esse que outrora houvera, antes da histórica predominância romana sobre as igrejas locais.
E Leonardo, ao escrever O Problema da Educação Nacional, aliás tese a um congresso partidário da Esquerda Democrática, poria ainda o acento na sílaba da filosofia e, como conclusão, na palavra dera resultante, a Religião. O alto e eterno destino que Leonardo atribuía à Religião foi parecer compartilhado por todos os aguilistas, cada um a seu modo, por isso que não puderam aceitar os efeitos persecutórios resultantes da lei da separação. Todo o conjunto do movimento, com religião positiva ou negativa, se ordena ao longo desta coluna dórico-salomónica, que Leonardo interligou, e que Pascoaes compendiou no poema Regresso ao Paraíso. Renascer em situação, ressuscitar no universo imponderalizado pela onda de amor.

Sequência Activa
O exposto não tira à revista o perfil republicano e anticatólico que logo definiu. Mas este anticatolicismo era, como depois se viu em Leonardo, Pascoaes e Corrêa d'Oliveira, um anti-romanismo. A ideia nacional e patriótica da revista e do movimento exigia a valoração do pagus e do património pagão, de onde, sem poder rejeitar o depósito cristológico, mariológico e hagiotógico, Pascoaes apenas derivava para a ideia de uma Igreja nacional, sem obediência a Roma. No mais, ele sentia que, mesmo valorando os vectores pagãos da cultura portuguesa, dificilmente seria possível ir para além de um certo anglicanismo, isto é, de unta igreja cismática, separada de Roma, mas com ela compartilhante dos essenciais artigos de fé. O pressuposto é contrário ao espírito da águia ascendente, uma vez que, então, ficaria prejudicada a visão ecuménica do orbe, decerto com uma Hispânia divorciada do Mundo. E o Mundo esperava, da Hispânia, abertura e dom, pelo menos desde que se iniciara a romanização católica do Mundo, no século XVI.
Todavia a razão tem, nos autores renascentistas, menos peso do que a intuição. O grupo é amplamente constituído por poetas (Pascoaes, Cortesão, Augusto Casimiro, Afonso Duarte, Mário Beirão, António Corrêa d'Oliveira, Afonso Lopes Vieira, Fernando Pessoa), por filósofos (Pascoaes, Leonardo Coimbra, Raul Proença, José Teixeira Rêgo), por pragmáticos em vários domínios da ciência e da antropologia cultural (visconde de Vila Moura, Damião Peres, António Sérgio, Ezequiel de Campos), e por artistas que procuram o rosto interior do homem, por isso que António Carneiro é o esteta psicólogo do grupo. Duas datas marcam a vida renascentista:
  • 1912, ano em que A Águia formula a posição tética, 
  • 1919, ano em que Leonardo Coimbra funda no Porto uma Faculdade de Letras, às tantas funcionando, na prática, como ramo espiritual da Renascença Portuguesa.
A influência das ideias aguilistas passava, desse modo, através das páginas da revista, do quinzenário, da Faculdade de Letras e, por fim, das Universidades Populares. A sequência activa tem limites: o recusado (anti-positivismo) e o afirmado (originalismo, romantismo, patriótico, evolucionismo, transformismo) e, na coroa de todas as ideologias adoptadas de fora, dois orientes concomitantes de formulação autóctone: criacionismo e saudosismo. Estes, aliás, os que prevaleceriam. Quando a prevalência do saudosismo como via de renascença ou de ressurreição se instaurou, viu-se logo quem, no movimento, punha a tónica na República, e quem a punha no Homem, quem punha a tónica na Arte, e quem, punha a tónica num modismo artístico.
Em 1912-1913, Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa afastaram-se. Não era deles o espírito renascentista. Outros ventos, porventura, sopravam em suas almas.
Em 1913-1914 assistimos à defecção de António Sérgio, que, em 1921, com Jaime Cortesão, Raul Proença e outros, constituiria a Seara Nova que herdava, de A Águia, apenas um pormenor: o da valorização da República. Tudo o mais lhe era indiferente, ainda que a saudade lhe resultasse incomodativa». In Pinharanda Gomes, A Teologia de Leonardo Coimbra, Guimarães Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1985.

Cortesia de Guimarães Edt./JDACT