segunda-feira, 13 de maio de 2013

Da Liberdade Mitificada à Liberdade Subvertida. Uma Exploração no Interior da Repressão à Imprensa Periódica de 1820 a 1828. José Tengarrinha. «As primeiras acções de controlo dos escritos foram exercidas tanto pelo Desembargo do Paço como pelo Santo Ofício (maldito) e ainda pelo Ordinário, nas respectivas dioceses»

jdact

Regimes Antecedentes
«A questão da necessidade de controlar os escritos de carácter noticioso não se levanta, para o Poder, antes do segundo quartel do século XVII. Foi quando começaram a proliferar relações avulsas, não periódicas, pondo em causa a dominação espanhola, as quais, a julgar pela reacção do governo filipino, produziriam algum efeito. Até aí, não se havia reconhecido a necessidade de reforçar e alargar às relações ou notícias avulsas ou papéis volantes o prescrito nas Ordenações a respeito dos livros. Embora já tivesse sido motivo de cuidado, também antes da Restauração, a insinuação dos pasquins, que tanta perturbação iriam causar nas autoridades ao longo do final do Antigo Regime. Três principais fases podemos reconhecer nos desenvolvimentos que a censura teve antes da Revolução de 1820.
As primeiras acções de controlo dos escritos foram exercidas tanto pelo Desembargo do Paço como pelo Santo Ofício (maldito): e ainda pelo Ordinário, arcebispos e bispos, nas respectivas dioceses, conforme a matéria e a oportunidade.

NOTAS: Era nesse sentido a CR de 26/l/1627. De alguns anos a esta parte se tem introduzido nessa cidade Lisboa escrever e imprimir relações de novas gerais; e porque em algumas se fala com pouca certeza e menos consideração, de que resultam graves inconvenientes, ordenareis que se não possam imprimir sem as licenças ordinárias, e que antes de as dar se revejam e examinem com particular cuidado. In Correspondência do DP, 1621 e 1628. Já antes, como se sabe, a censura incidira sobre os escritos em geral.
O mais antigo documento que se conhece sobre a censura por esse órgão é o Alv. De 22/2/1537 pelo qual se concedeu a Baltasar Dias privilégio para as suas obras e obrigatoriedade de apresentá-las à censura de Pedro Margalho. Teria sido o Insino Christão, impresso em 1539, o primeiro livro português censurado pela Inquisição (maldita).

O aumento do número de publicações e da complexidade das matérias impôs, porém, a necessidade de uma certa coordenação. Assim, pela lei de 4/12/1576 passou a ser obrigatória a aprovação das três entidades para que qualquer escrito pudesse ter licença para se imprimir e correr. Os pedidos eram enviados separadamente a cada uma delas, traduzindo o real peso que exerciam no plano político geral da sociedade as três forças: papal, episcopal e real. Este primeiro regime organizado de censura, interrompido pelo governo pombalino, é retomado em fins do século XVIII quando a influência política das três forças se faz sentir de novo mais fortemente no Paço e sob a justificação da necessidade de uma mais forte oposição ao crescente tumultuar das ideias revolucionárias e da subversão social. Estabelecido pela Carta de Lei de 17 de Dezembro de 1794, irá vigorar até à Revolução de 1820.
O segundo regime organizado de censura, instaurado pelo Decr. 5/4/1768, é uma das mais significativas medidas de reforço da centralização do poder régio. Justificado pela ineficácia da divisão da censura por três entidades, o novo regime reunia-as numa só, a Real Mesa Censória. Desde o seu início, a actividade deste órgão seria dominada por duas destacadas figuras da vida cultural do tempo: António Pereira Figueiredo, da Congregação do Oratório e conhecido pelo seu ultramontanismo e regalismo, e frei Manuel do Cenáculo, quo viria a ser o seu segundo presidente. A importância da Real Mesa Censória era ainda acrescida pela circunstância de lhe caber a responsabilidade do estabelecimento e orientação das escolas menores, peça fundamental na política pombalina do ensino em oposição à influência jesuítica. Unificado o comando da censura, esta convertia-se num poder ao serviço do Estado centralizado, ao ponto de os censores terem passado a receber a denominação de régios. Deverá atentar-se, ainda, no importante papel de controlo desempenhado pela Impressão Régia, pois, criada em 1768, dominava a produção de textos destinados ao ensino e a apoiar directamente as instituições oficiais.
São estas, na essência, as duas grandes formas de organização da Censura ao longo de cerca de dois séculos e meio da nossa história. Pois um outro regime, instituído pela CL de 21/6/1787, não foi mais do que uma fracassada tentativa de conciliação entre os anteriores. Na verdade, declarando confirmar e ampliar o Decr. 5/4/1768, a Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros retirava ao poder real a responsabilidade exclusiva nesta matéria, atribuindo-a também à Igreja que, sobretudo desde o início do reinado de D. Maria I, não cessara de protestar contra a exclusão do poder espiritual no exercício da censura. A composição da Mesa era, por si só, demonstrativa da influência clerical: o presidente devia ser eclesiástico e 4 dos 8 censores teriam de ser teólogos». In José Tengarrinha, Da Liberdade Mitificada à Liberdade Subvertida, Uma Exploração no Interior da Repressão à Imprensa Periódica de 1820 a 1828, Edições Colibri, Lisboa, 1993, ISBN 972-8047-29-0.

Cortesia de Colibri/JDACT