Inocêncio II e o juramento de vassalagem de Afonso Henriques
«(…) Que também era este o pensamento de Afonso Henriques, pode ler-se
claramente na carta de enfeudamento Claves
regni, por meio da qual ele posteriormente em 1143 documentava a sua doação.
NOTA: A carta foi registada no registo do Lúcio II e é
conhecida exclusivamente por esta origem. Como Oblatio regis Portucalensium in
registro Lucii II, encontra-se ela também numa cópia do século XIII no
Arquivo distrital de Braga e daí foi copiada e impressa por Viterbo,
Elucidario I. Além disso, Inocêncio III mandou em l5 de Julho de 1199 transumariar a carta a pedido do' arcebispo
Martinho de Braga; então, ou já antes, foi provida com a epígrafe
errónea mas compreensível, atendendo ao lugar em que se encontrava (Registo do
Lúcio II): Lucio secundo A. rex Portucalensis. O transunto de Inocêncio III
também nos não chegou directamento. Só Inocêncio IV a mandou mais uma voz
registar no seu registo, no livro 6.º, que ainda hoje se encontra em Paris e
antes pertenceu à Colbertina.
Daí a copiou Baluze, Miscellanea
II 220. Uma cópia moderna encontra-se no Arquivo do Vaticano, o daí
veio cópia ainda mais moderna para o Arquivo do Lisboa. O primeiro a imprimir a
carta foi B Brito (Chron. do
Cister lib 3 c. 4), que arranjou uma cópia de Toledo. Esta fonte toletana
deriva também inquestionavelmente do Registo
de Lúcio II, mas o caso não está completamente esclarecido ainda.
Também no processo a respeito do Primado debatido entre Toledo e Braga
nos anos de 1217-18 foi alegado este
documento; no Rotulus que foi entregue ao partido bracarense,
encontra-se porém apenas um extracto. O texto completo encontra-se num
cartulário toletano do século XIII, agora existente na Biblioteca Nacional de
Madrid. A rubrica com a epígrafe foi aqui cortada pelo encadernador; porém
existe ainda uma cópia deste cartulário, do século XIV na qual a epígrafe é a
seguinte: De censu regni regis Portugalie in registro Innocentii pape lib. III.
Se isto se refere ao Registo de Inocêncio IV, teríamos de emendar III para IV;
porém é talvez tudo isto incerto. Todas estas cópias têm mais ou menos erros;
porém já Herculano resolveu na essência as principais dificuldades daí
derivadas e resolveu-as bem. Em todo o caso não se podo duvidar da
autenticidade da carta, a qual J. P. Ribeiro contestou.
Aí prometia ele um tributo anual de quatro onças de ouro, portanto
um tributo de reconhecimento pouco importante, mas punha expressamente a
condição de gozar da protecção papal para si e para a dignidade e categoria do
seu reino, e de não reconhecer mais nenhum senhorio espiritual ou temporal além
do papa e seus legados. Todo o acto se dirigia pois directamente contra a velha
soberania de Castela. Já, no ano de 1140
(já em Abril de 1139 Afonso Henriques se intitulava rei) havia Afonso Henriques
tomado o título de rei e assim expressa claramente a sua pretensão a independência
em face do seu vizinho. Para cobrir esta situação de independência deviam agora
servir as suas relações com o papa. Podemos admitir que o cardeal Guido,
por seu lado, fez concessões ou promessas nesta direcção; pois doutra forma não
se teria chegado ao juramento de vassalagem do rei. Além disso, o cardeal
empenhou-se em regular as relações entre Portugal e Castela em sentido favorável
para aquele.
O concílio de Valladolid que reuniu em 19 e 20 de Setembro
de 1143, já o sabíamos de várias
menções mas agora podemos formar juízo pelas actas do concílio, teve porém
pouca importância para Portugal. Em princípio, também os bispos portugueses
tinham de visitar estes concílios nacionais espanhóis, e nos primeiros tempos
tal sucedeu, embora irregularmente. Ultimamente haviam tomado parte no concílio
de Burgos em 1136 não só o bispo de
Coimbra e o bispo eleito do Porto, mas ainda o arcebispo Paio de Braga.
Mas João
Peculiar já o não fez como arcebispo; não queria ser considerado membro
do conjunto da igreja espanhola. Do concílio de Valladolid também se manteve
afastado Pedro do Porto, e se Bernardo de Coimbra, como único
português, tomou parte nele, temos de atribuir isso à sua oposição a Braga: na
verdade, aparece nas actas do concílio como sufragâneo de Compostela, o que é
de estranhar.
O retraimento dos portugueses havia talvez sido combinado antes
com o cardeal. Em todo o caso, este não se deixou levar para, uma atitude
hostil contra eles. Demonstra-o o seu modo de proceder logo em seguida ao
concílio». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História
Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de
Coimbra, Coimbra Editora, 1935.
Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT