A Voz ainda Presente
No Passatempo da tia Andreza
«Quis o destino que me encontrasse, nesta hora, entre os familiares e
os numerosos amigos que vieram render-te uma última homenagem, Tia Andreza. Em
tão dolorosa circunstância conforta-nos saber como és recordada aqui e noutras
terras do vasto mundo por todos que tiveram a ventura de contigo privar ou de
conhecer a espontaneidade da tua ternura e a generosidade do teu coração, irradiadas
na rua Actor Vale. Rua que no código de fraternidade dos africanos estanciados
em Lisboa ficou designada simplesmente e, por antonomásia, o 37.
Percurso singular o teu que se confundiu com um lar onde, a par da recriação
da tradicional família alargada, asseguraste a continuidade do espírito de
resistência e combate em que se distinguiram santomenses da estirpe de Ayres
de Menezes e de Salustino Graça Espírito Santo. Ali, no 37, acolheste o Centro de Estudos
Africanos. E, sob o teu olhar vigilante, ao longo dos anos, particularmente
nas décadas de 40 a 60, cruzaram-se as gerações que iriam impulsionar as ideias
amadurecidas do nacionalismo.
Cabe-me a responsabilidade e o dever, a que não me furto, de associar
neste acto aqueles que te precederam na fatídica viagem: Francisco José Tenreiro,
(…) Amílcar Cabral, (…) Agostinho Neto, nossos companheiros do Centro
que, de certo, estariam entre nós, para junto chorarmos a tua partida. Mas esta
breve evocação do passado só alcança o seu pleno sentido se a projectarmos no
futuro. Neste mês de Fevereiro, recheado de trágicos acontecimentos na história
do povo de São Tomé, fica também o registo do teu nome, no grande livro das nossas lutas de libertação nacional. Não
permitiremos que o exemplo da tua vida se perca na desmemória do tempo. Que o
chão húmido e quente da tua ilha te proteja na sua imensa generosidade, Tia Andreza! In Mário Pinto Andrade, Lisboa, Fevereiro
de 1989.
Canção para a Julieta
Louvemos, louvemos a nossa filha
a filha do nosso amor
é ela mesmo, filha do mato
é ela, louvemos.
Já veio, esteve muito longe
veio para nos encontrar
é ela mesmo, filha do mato
é ela, louvemos.
Está crescida, sabe outras coisas
vinde ouvir essas coisas
é ela mesmo, filha do mato
é ela, louvemos.
Todos nós, cantamos,
com os rios, com os pássaros
é ela mesmo, filha do mato
é ela, louvemos.
Entoemos a nossa canção
entoemos a nossa canção
é ela mesmo, filha do mato
é ela, louvemos.
In Mário Pinto Andrade, Abril
de 1953.
Literatura e Nacionalismo em Angola
Desde o último pós-guerra que o problema das condições para uma expansão
da cultura nacional se encontra no centro das preocupações tanto dos
intelectuais como dos políticos africanos. Com efeito, no decurso das lutas de
libertação travadas nas diversas partes do continente, sempre a questão
cultural se articulou com as fases do desenvolvimento do nacionalismo. De
resto, não é raro verificar-se o papel de vanguarda desempenhado em África por
intelectuais desdobrados em homens políticos». In Mário Pinto Andrade, Um
Intelectual na Política, coordenação de Inocêncio Mata, Edições Colibri,
Lisboa, 2000, ISBN 972-772-188-5.
Cortesia de Colibri/JDACT