sábado, 11 de maio de 2013

O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668). Joaquim Veríssimo Serrão. «Com a morte de Filipe III, 1621, abriu-se o último capítulo em Portugal. O novo rei chamou para o Governo Gaspar Filipe Guzman, acérrimo defensor da subalternização das províncias de Espanha, incluindo nelas o reino de Portugal»

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Tentativas de integração
«(…) O levantamento de impostos e a junção da crise provocada pela peste de 1599 e dos maus anos agrícolas aumentaram a hostilidade da população contra a Espanha. No ano de 1601 estavam em atraso os pagamentos da Casa Real, havendo falta de numerário para activar a vida económica, mormente o comércio marítimo. Para obstar às desordens ocorridas em várias terras, entre as guarnições espanholas e os habitantes, o vice-rei fazia promessas de auxílio que não obtinham resposta na corte que, por esse tempo, se instalara em Valladolide. Acentuava-se ao longo da nossa costa a actuação dos corsários, sem que viesse pronta ajuda de Filipe III. O perdão geral, que se concedeu em 1601 aos cristãos-novos, descontentou a população, uma vez que se traduzia na oferta de 200 mil cruzados à coroa pelos judeus de Lisboa. A acalmia foi ditada pelo interesse e não pela justiça, como escreveu Rebelo da Silva, pelo que não durou muito. A partir de 1604 aumentou como nunca o êxodo dos cristãos-novos para a França, Inglaterra e a Holanda.
Substituído nos fins de 1603, o vice-rei voltou a Portugal cinco anos depois, no que foi tido como a derradeira consagração da sua vida ao serviço da coroa espanhola. Mas também essa missão não foi coroada de êxito, devido à conjuntura interna e à ultramarina que se mostravam contrárias à política de Filipe III. Em 1612 foi o marquês de Castelo Rodrigo chamado de vez a Madrid, quando fracassou o segundo projecto do duque de Lerma para a anexação de Portugal. Trinta anos volvidos sobre a aclamação do primeiro Filipe, não deixava dúvida aos Portugueses que a união com a Espanha se ia saldando num fracasso cada vez mais nítido. Desde que subiu ao trono, foi desejo de Filipe III visitar Portugal, mas ficando sem efeito vários projectos nesse sentido. Consultadas para ajudar nos encargos da deslocação, as câmaras municipais haviam mostrado, em 1609, a situação mesquinha e deplorável em que se achava o País. Se muitas não punham em dúvida que a viagem era uma prova do interesse régio por Portugal, não deixavam todas de reconhecer a pobreza do povo e a situação financeira grave. No ano seguinte, quando da romagem do monarca a Compostela, também não se concretizou a sua vinda. Indagam-se os historiadores se não era intenção de Filipe III receber o dinheiro das nossas cidades e vilas, para depois invocar pretextos para o adiamento da viagem.
Foi assim que a visita apenas se efectuou em 1619, com o fim de reunir cortes em Lisboa e de nesse acto se jurar o príncipe herdeiro. O cronista oficial, João Baptista Lavanha, que traçou o itinerário da viagem, definiu a entrada na capital, no dia de São Pedro, como o espectáculo mais solene a que Lisboa já assistira. O monarca desembarcou no Terreiro do Paço, estando as ruas da Baixa decoradas com arcos triunfais em louvor dos heróis portugueses, das nações estrangeiras, dos mercadores e dos ofícios mecânicos. Houve nobres que se arruinaram em despesas de fausto, enquanto milhares de pessoas vieram das suas terras para assistir ao grandioso espectáculo. Mas para instalar o séquito de Filipe III foi preciso desalojar muitos habitantes das suas casas, contra os antigos privilégios camarários que se opunham à aposentadoria. Isso deu origem a muitos conflitos que o Senado corporizou em protesto apresentado ao monarca. Apesar do seu carácter festivo, a visita régia aumentou o sentimento autonomista da população.
Com a morte de Filipe III, em 31 de Março de 1621, abriu-se o último capítulo do domínio filipino em Portugal. O novo rei chamou para o Governo Gaspar Filipe Guzman, conde-duque de Olivares, acérrimo defensor da subalternização das províncias de Espanha, incluindo nelas o reino de Portugal. Tal facto levou a nomear governadores em substituição do conde de Salinas, feito marquês de Alenquer, que cessara as funções em 1621, num ambiente de odio geral. Olivares tinha uma paixão ilimitada pelo mando, como dele escreveu Gregório Maraflon, e serviu-se da fraqueza de Filipe IV para impor a sua vontade. A Espanha defrontava então o peso militar e ultramarino da França de Richelieu, que, aproveitando as derrotas espanholas na Guerra dos Trinta Anos, ambicionava a hegemonia europeia. Outro adversário de igual poderio eram os Estados Gerais, onde se fundara em 1602 a Companhia Holandesa das Índias Orientais, para competir no comércio da Índia, e em 1621 a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais, para incidir no Brasil a ambição colonial da Holanda. O Governo de Olivares viu-se assim a braços com sérias dificuldades que tiveram imediato reflexo na vida ultramarina portuguesa.

O Oriente Português: a perda de Ormuz e Malaca. O Brasil
O Estado Português da Índia sofreu no primeiro quartel do século XVII o constante assédio dos Holandeses. Chegaram depois os Ingleses, que pretendiam apoderar-se das linhas comerciais e erguer as suas feitorias. Não havia poder bastante para impedir tão poderosa concorrência, uma vez que os dois inimigos atacavam as fortalezas e as alfândegas, obtendo grandes benefícios da sua política de guerra. A cidade de Goa foi sujeita a cercos constantes, que os vice-reis tiveram dificuldade em suster. Mais violenta foi, porém, a ameaça da Inglaterra sobre Ormuz, chave do golfo Pérsico e o elo comercial por excelência entre o Médio Oriente e a região do Malabar». In Joaquim Veríssimo Serrão, O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Edições Colibri, Estudos Históricos, Lisboa, 1994, ISBN 972-8047-58-4.

Cortesia de Colibri/JDACT