segunda-feira, 20 de maio de 2013

Isabel de Portugal. Duquesa de Borgonha. Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval. Daniel Lacerda. «Isabel de Portugal tinha uma personalidade muito afirmada e dirigia a casa ducal com competência e grandeza. O duque atribuía-lhe todas as honras, embora secretamente a enganasse»

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A corte de Borgonha
«(…) A residência ducal abriga o pessoal político e o pessoal doméstico ligados à Casa. Entre os primeiros encontram-se o chanceler, os membros do Conselho, os camareiros, os oficiais de justiça, os contabilistas, os grandes oficiais, secretários, escrivães, ocupando-se das diferentes funções da administração sob supervisão do duque. A Casa divide-se por três Serviços: A Capela, a Câmara e o Palácio (Hôtel). O serviço de Capela ocupa 40 pessoas, incluído o confessor do duque e os capelães, a que se junta uma importante secção musical. Compete ao Serviço da Câmara, com o primeiro camareiro à frente, presidir ao Conselho de guerra. Sob as ordens de Filipe, Antoine de Croy foi primeiro camareiro durante muito tempo. Ele possui a chave do quarto do duque e os aposentos de ambos são contíguos. Dezasseis escudeiros dormem por perto enquanto vários despenseiros assistem o duque e asseguram o arranjo dos espaços. É preciso ainda juntar, ao sector da saúde, seis médicos, quatro cirurgiões e boticários. Finalmente, o guarda das jóias e das economias do duque. Os primeiros, durante as refeições, inteiram o duque da qualidade das carnes e das iguarias. O Serviço Residencial é o mais importante, tendo a chefiá-lo um mordomo que participa nos conselhos ducais e dirige outros subalternos. Ele tem sob sua direcção todo o pessoal que se ocupa do palácio, os diversos furriéis, os serviços de boca, distribuidores do pão, copeiros, cozinheiros e talhantes, e de corpo do príncipe. Este último agrupa um leque de pessoal mais vasto, sob a direcção de um grande escudeiro, que é portador do estandarte e da espada de parada do duque; mantém sob as suas ordens 60 escudeiros e pajens de cavalariça tratadores de cavalos, palafreneiros, armeiros, ferradores, cocheiros, postilhões, carroceiros. Têm a seu cargo as frequentes deslocações do duque e da corte. A montaria e a falcoaria são dirigidas por mestres, apoiados pelos chefes dos tratadores de cães.
A guarda de corpo do duque é constituída por seis reis de armas e oito arautos; estes estão incumbidos de missões oficiais e de espalhar proclamações, desafios e anúncios. Qualquer que seja a deslocação, o duque é sempre escoltado por 62 archeiros envergando um paletó vistoso. Cavalgando na frente dos cortejos vão jovens nobres, escudeiros, adornados com ricos mantos ducais, em número que chega frequentemente aos 120. Filipe, o Bom, devia inclinar-se perante o rei de França, de quem era vassalo. Na sua própria corte fazia respeitar uma etiqueta rigorosa aos numerosos servidores, porquanto, à parte a administração de imensos territórios, essa mesma corte, poderosa, apoiava-se na guarda e no exército. Entre os grandes pensionistas contava seis duques e 12 príncipes, marqueses e condes, além de outros grandes aristocratas e cavaleiros. Havia audiências públicas várias vezes por semana. Um Conselho especial ocupava-se da guerra. A Câmara das Finanças tinha à testa o mestre da Chambre aux Deniers que era apoiada pelo guarda das jóias, o primeiro camareiro que conservava a chave do tesouro. A organização da corte repartia-se entre o mordomo-mor, os escudeiros, os médicos e os criados de quarto. A Câmara heráldica era dirigida por seis reis de armas. O cerimonial atrás esboçado contribuiu notavelmente para a eficácia da corte de Borgonha, com as suas frequentes deslocações, o seu empenhamento nas festas, torneios, encontros e capítulos do Tosão de Ouro, cada um deles possuindo um ritual complementar. Isabel de Portugal tinha uma personalidade muito afirmada e dirigia a casa ducal com competência e grandeza. O duque atribuía-lhe todas as honras, embora secretamente a enganasse, segundo um costume principesco largamente praticado na época. O número dos seus bastardos excedia a dúzia: exerciam altas funções administrativas, militares ou religiosas (dois bispos), e compunham uma parte do círculo da corte. Tolerante quanto a esta estranha herança, associada à sensualidade flamenga, Isabel não deixou de censurar ao duque a infidelidade, fazendo-lhe sentir o seu sofrimento moral.

NOTA: Filipe fez educar os seus filhos bastardos na corte, junto de si. Corneille de Borgonha, senhor de Beures, morto na batalha de Ruppelmonde; Jean de Borgonha, senhor de Elverdingue e soberano bailio de Flandres, conselheiro e camareiro de Filipe, morto de armas na mão; Antoine, filho de Jeanne de Presle, senhor de Beures e conde de La Roche, o mais ilustre, foi feito cavaleiro do Tosão de Ouro em 1456 e participou numa expedição de socorro a Ceuta; David, bispo de Thérouanne (1451) e de Ytrecht (1455); Filipe de Borgonha, senhor de Sommerdie e de Blaton, almirante de Flandres e cavaleiro do Tosão de Ouro; Raphael, dito de Marcatel, abade da abadia de Saint-Pierre d'Aldenbourg, depois de Saint-Bavon de Gand; Jean, preboste de Saint-Omer ou de St. Donatien de Bruges; Baudouin, nascido em 1445 de Catherine de Thieffries, senhor de Fallais, de Bredan e de Zomeldie, genro de Manuel de La Cerda. Jerónimo e Filipe morreram cedo. No que concerne às filhas bastardas, há menos informação. Maria desposou Pierre de Bauffremont, senhor de Charny, camareiro e cavaleiro do Tosão de Ouro; Ana casou-se sucessivamente com Adrien de Borselle, senhor de Brigdam, depois com Adolphe de Clèves, senhor de Ravenstein, príncipe de justadores e cavaleiro do Tosão de Ouro; Yolande foi mulher de Jean d'Ailli, visconde de Amiens; Corneille casou-se com Adrien de Toulongeon, senhor de Mornay; Maria de Borgonha entrou para um convento; Catarina, a última, desposou o cavaleiro Hubert de Lurieu, senhor de La Queille.

De facto, a duquesa obrigou-se a restabelecer a etiqueta na corte de Borgonha, empenhando-se igualmente em restaurar os costumes dos conventos, concertadamente com as abadessas. Esta rectidão moral, tocando o puritanismo, foi mal aceite por Filipe, que se queixava do seu carácter de suspeição. A educação do filho de ambos, Carlos, segundo certos historiadores, teria guardado os traços de uma rigidez idêntica. Mas Isabel tinha no seu activo a divisa que o duque estabelecera quando do casamento: Aultre n'auray, a qual não podia ser desvalorizada sem que fosse ferido o seu orgulho». In Daniel Lacerda, Isabelle de Portugal – duchesse de Bourgogne, Éditions Lanore, 2008, Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, Uma Mulher de Poder no coração da Europa Medieval, tradução de Júlio Conrado, Editorial Presença, Lisboa, 2010, ISBN 978-972-23-4374-9.

Cortesia de Presença/JDACT