Ha relâmpagos de memoria
que abrem um vinco na fronte do homem. E a velhice extemporânea de alguns o que
é se não recordarem-se? In Camilo Castelo Branco, A Enjeitada.
«(…)
Transcrições do Romance do
romancista (1890)
Francisco Xavier Alves,
Reitor da freguezia do Salvador da Ribeira de Pena, archidiocese de Braga: Certifico
e atesto, que em um livro dos assentos de casamento desta freguezia do
Salvador, concelho de Ribeira de Pena, archidiocese de Braga, está lavrado a
fl. 43 o assento do teor seguinte: Camillo Ferreira Botelho Castello Branco,
filho de Manuel Joaquim Botelho Castello Branco, e Jacinta Rosa Almeida do
Espirito Santo, da cidade de Lisboa e de presente assistente n'esta freguezia
do Salvador, e Joaquina Pereira, filha de Sebastião Martins dos Santos e Maria
Pereira de França, do lugar de Friume, desta freguezia do Salvador da Ribeira de
Pena, contrahiram o Sacramento do matrimonio por seus mútuos e expressos
consentimentos in facie Ecclesiae
conforme o Concilio Tridentino e Constituição do Arcebispado com commutação de
proclamas para depois de recebidos na minha presença e das testemunhas abaixo
assignadas, a dezoito d’Agosto de mil e oitocentos e quarenta e um: testemunhas
presentes o Padre José Maria de Souza, do Pontido d'Aguiar e Francisco Ribeiro
Moreira, de Friume, d'esta freguezia: e para constar fiz este termo era ut supra. O Encommendado Domingos
José Ribeiro. O Padre José Maria de Souza, Francisco Ribeiro Moreira.
Tema á margem Friume eVilla Real. É copia do próprio original, a que me
reporto. E por ser verdade passei a presente que juro in fide Parochi. Parochial do Salvador da Ribeira de Pena, 21 de
Novembro de 1887 e sete, - Francisco
Xavier Alves.
Acrescentarei agora que
a assinatura de Francisco Ribeiro Moreira,
como testemunha, prova que D. Rita Emília da Veiga Castelo Branco, tia
de Camilo,
consentiu no casamento, porquanto esta senhora era sogra daquele Ribeiro
Moreira, abastado proprietário em Friúme. Pensaria ela, talvez, que o
sobrinho, casando com uma rapariga linda, posto que de modesta condição, renunciaria
a novas rapaziadas e que o sogro assumiria o encargo de olhar por ele.
D. Rita Emília,
geralmente conhecida em Vila Real por D. Rita Brocas, tivera de receber Camilo
e a irmã quando ficaram órfãos: o conselho de família, reunido em Lisboa,
resolvera enviar-lhos. Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, pai de Camilo,
vivera de escassos rendimentos, pelo que teve de exercer um cargo público, e
deixara credores. Assim, pois, o esperançoso
património, a que se referiu Camilo, é uma frase que não
corresponde à verdade dos factos. Nem, como ele supunha, foi uma lei da Senhora
D. Maria I que o deserdou.
Vem a propósito, e pode
esboçar-se rapidamente, a história dessa lei. No século XVIII, D. Leonor
Maior Lobo da Gama, dama nobre, sucedeu, por morte de Luís Lobo da Gama,
seu irmão, na administração dos bens da casa. Mas apareceram em juízo dois
filhos legitimados do fidalgo a reivindicar tanto os bens alodiais, como os
vínculos. D. Leonor, decaída nos tribunais ordinários, recorreu para a Coroa,
que estabeleceu a doutrina de que, existindo quaisquer legítimos descendentes
dos instituidores dos vínculos, não produziriam efeito as cartas de legitimação
(Resolução régia de 16 de Dezembro de
1798 e Provisão de 18 de Janeiro de 1799).
Manuel Botelho
reconheceu como seus filhos Camilo e Carolina em 27 de Junho de 1829. O respectivo instrumento
de legitimação e perfilhação (Publicado integralmente por. Pedro de Azevedo
nos Antepassados de Camilo) diz que o
pai vivia dos seus rendimentos e não declara o nome da mãe. (Mãe incógnita, segundo a frase
tabelioa). Certamente avisado pelo notário de que era preciso evitar a
aplicação, por analogia, da provisão régia de 1799, Manuel Botelho resolveu acautelar-se obtendo o
seguinte documento:
- Senhor. Manda-me Vossa Real Magestade Fidelíssima responder ao requerimento de meu Irmão Manoel Joaquim Botelho Castello-Branço, como única interessada á sua herança, se elle fallesce-se ab intestato, a fim da Perfilhação de hum seu filho Natural Camillo Ferreira Botelho Castello Branco e de huma filha Carolina Ritta Botelho Castello Branco, nada tenho que dizer, e antes muito louvo ao ditto meu Irmão Recorrente, os seus honrados sentimentos de bom Catholico. e por isso a tudo presto o meu consentimento, e V. R. M. F. Mandará o que fôr justo. - Villa Real 20 de Agosto de 1829. D. Ritta Emilia Castello Branco. Segue-se o reconhecimento.
Seis anos depois, a 22 de
Dezembro de 1835, Manuel Botelho
falecia em Lisboa, na rua dos Douradores, 29, freguesia de Santa Justa. Em 1836 publicava o Diário do Governo, n.º 37, de sexta-feira 12 de Fevereiro, este
aviso judicial:
- Pelo Juízo de Paz da Freguesia de Santa Justa se precede a inventario dos bens ficados por óbito de Manoel Joaquim Botelho Castello Branco: todos os credores que o forem ao casal do dito falecido concorrerão ao dito Juizo no prazo de quinze dias, contados da data deste annuncio. a legalisar seus créditos, para no acto da partilha se lhe dar pagamento».
In Alberto Pimentel, A Primeira
Mulher de Camilo, Silêncio Injustificado, PQ 9261C3Z738, Guimarães & Cª -
Editores, Lisboa, 1916.
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT