sexta-feira, 28 de junho de 2013

Fernão de Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a direcção de Arlindo Varela. Latino Coelho. «… occidente de Veragua havia um mar, ainda não frequentado de europeus, o qual, são as próprias palavras do almirante, poderia abrir caminho em menos de nove dias até á Áurea Chersonesus de Ptolomeu e á foz do rio Ganges»

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NOTA: De acordo com o original

«(…) Singular condição dos destinos humanos, que seja o navio o primeiro instrumento das revoluções modernas, e que sejam as proas que tracem no livro immenso do Oceano a historia mais eloquente da civilisação. Desde que o aventuroso genovez sonha a sua gloriosa expedição e pede por especial mercê aos reis catholicos, que lhe dcêem uns pobres navios, por meio dos quaes virão a ser os mais poderosos principes do mundo, o desejo das empresas maritimas chega a ser na Europa um fanatismo, uma d'estas sublimes loucuras, com que o mundo se revoluciona, se transforma, progride, melhora e espedaça as cadeias da tradição, e deixa absortos perante não sonhadas maravilhas os próprios conquistadores. O caminho mais breve entre a Europa e as regiões encantadas do Oriente é a preoccupação dos navegantes e o sonho dos cosmographos. Colombo e Amerigo Vespucci saúdam as praias desconhecidas do Novo Mundo, julgando ter tomado terra n'uma região da Ásia oriental, e haver resolvido o grande problema da cosmographia e da navegação.

NOTA: Ainda que o navegador Colombo, que por fins do século XV dirigia esta empresa grandiosa, o descobrimento da terra americana, não levava de certo o seu intento em aportar a uma nova região do mundo, se bem que seja certo haverem Colombo e Vespucci perseverado até á morte na crença de que haviam apenas reconhecido uma parte da Ásia oriental, a expedição offerece comtudo os caracteres de um plano scientificamente delineado e conduzido. Humboldt, Cosmos, tomo II.

Se não tinham ancorado junto das praias do remoto Zipangu, Japão, que se julgava o termo suspirado e o premio digno de todas as expedições transatlânticas, deixaram, em seu conceito, aberta a estrada, por onde mais felizes, mas não mais audazes navegadores, iriam rematar a empresa começada. Se a inspiração com que Martin Alonso Pinzon, o companheiro de Colombo, se dizia illuminado, alcançou que o almirante genovez desistisse de seguir a supposta derrota para o Japão, e navegando para sudoeste, tomasse terra n'uma ilha americana, sempre é certo que o Novo Mundo se patenteou aos europeus por um destes erros felizes, que valem mil vezes mais do que a verdade. Partir das costas europeias, fazer-se á vela no rumo de sudoeste, abordar ás regiões orientaes, e voltar depois pelo mar das Indias, circumnavegando o globo inteiro, era a predilecta empresa dos grandes navegadores desde a primeira expedição de Christovão Colombo.
Estando o almirante na ilha de Cuba, escrevia no seu diário, no 1° de novembro de 1492: Ficam defronte de mim, e muito próximas, Zayto e Guinsay do grão-Kan. Eram o Zaytun e o Quinsay de Marco Polo. A ser verdadeira a narração de Fernando, filho do grande descobridor, e o testemunho de André Bernaldes, cura de los Palacios, o qual tratou intimamente e em sua casa hospedou o navegador, ao voltar da sua segunda expedição, deve acreditar-se haver Colombo, sempre infatigavel no proseguimento da sua grande empresa, tentado, ao sair de Cuba, navegar para o occidente, com o propósito de voltar á Hespanha por mar, tornando por Ceylão, e costeando a peninsula africana, ou regressar por terra, fazendo-se na volta da Palestina.
Os loiros de Vasco da Gama tinham pois corrido o lance de exornarem a fronte de Colombo. A Providencia, que havia traçado em seus planos maravilhosos o engrandecimento da civilização e a propagação da verdadeira fé nas mais dilatadas regiões, deu a Colombo o que elle menos invejava, rasgando-lhe o véo mysterioso que encerrava um Novo-Mundo, a Gama a honra de descobrir, por mares nunca d'antes navegados, o novo caminho do oriente. Ambos os navegadores eram necessários aos designios da Providencia, como gloriosos operários de uma inesperada reformação. A Colombo pertence, todavia, a primitiva traça de uma longa circumnavegação. A idéa que elle buscára iniciar não ficou perdida nem esteril. Na sua esteira navegaram os mais arrojados mareantes. Ao passo que progrediam os descobrimentos na costa oriental do Novo Mundo, recrescia o mais ardente desejo de encontrar uma passagem que, pelo norte ou pelo sul, levasse ás appetecidas regiões do Cathay e do Japão.
Havia-se tornado evidente aos mais incredulos o serem todas as costas já descobertas do Novo Mundo pertencentes a um vasto continente, que ia para o sul prolongando o seu extenso littoral. Depois da empresa, que immortalisou Colombo, o facto mais notável e fecundo na historia das relações entre o antigo e o Novo Mundo é sem contestação o descobrimento do mar do sul e das costas occidentaes americanas, que tanto lustre accrescentaram ao nome de Balboa. Alguns annos antes, o espirito eminente de Colombo se havia certificado de que ao occidente de Veragua havia um mar, ainda não frequentado de europeus, o qual, são as próprias palavras do almirante, poderia abrir caminho em menos de nove dias até á Áurea Chersonesus de Ptolomeu e á foz do rio Ganges.
Lê-se numa carta de Colombo, que os littoraes oppostos de Veragua estão na mesma relativa situação em que demoram Tolosa no Mediterrâneo e Fuenterabia na Biscaya, ou como Veneza no Adriático, e Pisa na contracosta. O descobrimento realisado por Balboa era a confirmação das idéas de Colombo. O intento, sempre dominante, de buscar uma passagem directa, ao norte ou ao meio dia, para chegar no mais breve transito até ás desejadas regiões da especiaria, continuava a achar nos mais aventurosos navegadores os apóstolos praticos da grande revolução que se julgava a ponto de operar-se na geographia, e no tracto mercantil com os paizes orientaes. A civilisação esperava n'este momento um homem d'estes que a Providencia designa com o seu dedo omnipotente, quando tem determinado voltar mais uma folha no livro da sciencia e da civilização». In Latino Coelho, Fernão de Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a direcção de Arlindo Varela, Editores Santos & Vieira, Empresa Literária Fluminense, Imprensa Portuguesa, Lisboa, 1917.

Cortesia de Imprensa Portuguesa/JDACT