quinta-feira, 13 de junho de 2013

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina A. Cunha. «… na “Ordem de Avis”, existiam três tipos de membros: em primeiro lugar ‘os monges ou freires-cavaleiros’, membros de pleno direito que gozavam da totalidade dos privilégios da milícia. Receberiam a ‘prima-tonsura’ e talvez as restantes ordens sacras menores»

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«(…) Como também é estranho, e sem explicação aparente, o facto de em 1221, aquando do terceiro testamento de Afonso II, os freires de Avis não aparecerem como beneficiários de um legado. Tal mudança de atitude poderá eventualmente ser explicada pela participação, ou não participação... dos freires de Avis na política do monarca relativamente a Leão e Castela, bem como nos conflitos com a Igreja que marcaram o seu reinado.

A organização geral das Ordens instaladas em Portugal
Tratando-se de instituições da Igreja, as Ordens Militares incluíam no seu seio grupos distintos de membros no que respeita à sua função eclesial: todos se complementavam nas suas diferenças permitindo uma vivência em comunidades que, se por um lado, se aproximava das Ordens Religiosas, Cónegos Regrantes de Santo Agostinho e Cister que inspiraram as suas primeiras Formas de Vida, também delas se distinguiam claramente. Independentemente da sua origem social, os membros das Ordens Militares dividiam-se em freires leigos e freires clérigos conhecendo cada um destes grupos diferentes níveis no seu seio, o que aliás reflecte o duplo fundamento inspirador destas instituições: era uma Regra comum que permitia harmonizar a guerra e a oração e ultrapassar as diferenças entre leigos e religiosos. Contudo, se a expressão freires clérigos ou freires capelães é mais ou menos unívoca no seu sentido relativamente às várias ordens militares, o mesmo não se pode dizer em relação a freires leigos. Sob esta denominação geral, as Ordens conheceram várias realidades sócio-religiosas que reflectem estruturas mais ou menos complexas. Passamos a explicitar o que cada uma destas expressões significa em cada uma das Ordens.
A Ordem do Hospital conhecia na sua organização três tipos de freires: os Cavaleiros da Justiça, vulgarmente chamados Cavaleiros, os Freires Capelães e os Freires Serventes ou Sargentos. Os primeiros constituíam o topo da hierarquia hospitalária, e tinham por missão a assistência aos pobres, doentes e peregrinos, para além das funções militares. Eram-lhes também confiadas a gestão e a administração temporal da Ordem. Como o próprio nome indica, para ser Cavaleiro hospitalário, a condição sine qua non era ter a ordem de cavalaria, dada por algum príncipe católico ou por alguém que tivesse poder para a conferir. Os freires capelães hospitalários eram, como o próprio nome sugere, os encarregados dos ofícios divinos e da celebração do culto: eram, por isso, necessariamente freires que haviam recebido as ordens sacras maiores. Nem todos viviam nos conventos da Ordem: os sacerdotes que aí exerciam as suas funções tinham o nome de sacerdotes conventuais, por oposição aos que cuidavam dos ofícios divinos e da cura nas diversas igrejas da Ordem do Hospital, chamados sacerdotes de obediência. Finalmente, os Freires Serventes ou Sargentos eram homens não-nobres, ou oriundos de uma nobreza de segunda categoria, origem social que lhes vedava desde logo o acesso aos graus mais elevados da Ordem. Alguns viviam no convento, sargentos de armas, enquanto que a outros eram confiados determinados ofícios ou cargos relacionados com a administração geral do património, sargentos de ofício ou de estado.
Também a Ordem de Santiago englobava freires leigos e clérigos, cujas funções variavam conforme o próprio nome sugere. Entre os primeiros é possível no entanto distinguir entre Comendadores, que administravam as diferentes comendas da Ordem, os Cavaleiros, que ao contrário dos anteriores, não tinham comendas mas que recebiam uma tença e os freires leigos stricto sensu, aqueles que, por serem jovens, ainda não tinham ascendido a comendador ou a cavaleiro e que eram mantidos pela mesa mestral. Em princípio, apenas os comendadores e os cavaleiros acompanhariam o mestre em caso de guerra, mesmo quando integrados no exército real. Os freires clérigos da Ordem englobavam vários tipos distintos de clérigos: o prior-mor, os priores das igrejas da Ordem, estavam encarregados do serviço divino, os capelães, dois dos quais viviam junto do mestre, enquanto que os restantes habitariam nas casas dos comendadores onde rezariam missa diária, os beneficiados, habitando no convento principal da Ordem davam apoio aos serviços assistenciais e religiosos e os freires conventuais, que para além das obrigações inerentes à própria vida religiosa do convento, estavam encarregados dos trabalhos conventuais.
Finalmente, na Ordem de Avis, existiam três tipos de membros: em primeiro lugar encontravam-se os monges ou freires-cavaleiros, membros de pleno direito que gozavam da totalidade dos privilégios da milícia. Receberiam a prima-tonsura e talvez as restantes ordens sacras menores. Enquanto durou a Reconquista, tinham como principal função a luta contra os muçulmanos. Depois, e dada a expansão da Ordem, passaram a viver nas comendas, administrando o seu património. Os clerici ou capelani a que se referem os primeiros documentos fundacionais de Calatrava seriam provavelmente os monges que, respondendo às necessidades espirituais da Ordem, haviam recebido a totalidade das ordens sacras, e que, como presbíteros que eram, estavam encarregados da vida espiritual não só dos membros da milícia, quer dos freires que viviam no convento quer dos espalhados pelas diferentes comendas, mas também das populações que dependiam dos priorados e das igrejas paroquiais da Ordem». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da Faculdade de Letras do Porto/JDACT