BELO
Em penhascoso e solitário monte,
assentado no chão, Belo espraiava
a luz do seu olhar pelo horizonte...
Junto a seus pés a água murmurava
suavíssimo canto de brandura,
que nos brancos arroios se espalhava.
Era este regato de frescura
do tosco monte a única harmonia,
qual estrela, sozinha, em noite escura...
Belo amava a grande melodia
que acorda, a sorrir, quando a alvorada
mergulha em luz a brusca penedia.
É que o choque da luz estonteada,
contra o mundo, produz um som tão brando
que só o ouve a alma imaculada...
Voavam para o céu, em doce bando,
tristes suspiros do seu peito amante,
que iam de longe, a Belo, inda acenando.
Sorria e entristecia num instante,
como se lhe tocasse, ao mesmo tempo,
o crepúsculo da tarde e do levante.
Quantas vezes dizia: - Amo o tormento
onde a minh'alma pelo bem anseia,
num palpitar enfraquecido e lento...
Gosto de ver quando a luz' scasseia...
Se acaso eu amo a vastidão do mar,
é quando olho outro mar d'areia...
Tenho na minha vida de trilhar
sendas d'espinhos que ninguém calcava:
qu'importa a noite se hei-de ter luar?!...
Belo chorava muita vez... chorava...
E, ao molhar em pranto a sua mão,
fogo violento o peito lhe escaldava!
Tinha por companheiro um velho cão
que jamais quis seu dono abandonar,
embora lhe faltasse o magro pão.
Belo odiava o mundo com pesar...
E, no seu lábio, um riso d'alegria
lembrava, à tarde, a luz crepuscular.
Seu confidente eterno, o cão gemia
se visse o amo acabrunhado e triste,
como pálida flor, ao cair do dia.. .
Sagrado o companheiro que persiste
em seguir seu amigo na desdita,
como sorriso que a uma dor resiste...
[…]
Parte do Poema Belo de Teixeira de Pascoaes, in ‘Belo, À Minha Alma, Sempre, Terra Proibida’
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