quarta-feira, 12 de junho de 2013

Paixões Reais. Os despojos da Paixão. Príncipe Regente João. Eduardo Nobre. «Ao confirmar-se a gravidez que teme, impossível e impensável numa menina que é dama da futura rainha, “Eugénia de Menezes” afunda-se num pesadelo vivo. As damas que com ela partilham do serviço no Paço não encontram justificação para o seu estado de abatimento, para as crises cerradas de choro, para a fuga às perguntas…»

D. Carlota Joaquina
jdact

«(…) O marquês José, que deveras o estimava, recomendava ao marquês de Pombal, que fazias razias entre as prerrogativas da nobreza: não te metas com o marquês de Marialva! Poderoso, o marquês tinha corte própria, de fidalgos, padres e militares, e onde se moviam também uns quantos jovens pajens que, dizia-se, muito alegravam as luxúrias tardias do velho fidalgo. Legiões de criados preparavam a mesa faustosa e os seus próprios filhos serviam-no, de joelhos. Como era de uso fazer-se aos reis. Um desses filhos, Rodrigo José António de Menezes, moço-fidalgo da Casa Real, mordomo-mor e veador de D. Carlota Joaquina, é exactamente o pai da dama que atrai as atenções do Príncipe Regente.
Por decreto de 14 e carta de 29 de Novembro de 1802, João agracia-o com o título de conde de Cavaleiros, em duas vidas. A dele, Rodrigo, já levava cinquenta e dois anos de percurso e, em vésperas de se submeter às mais duras provas de dor, de humilhação e de vergonha, pouco mais duraria.

Fuga e perseguição
Ao confirmar-se a gravidez que teme, impossível e impensável numa menina que é dama da futura rainha, Eugénia de Menezes afunda-se num pesadelo vivo. As damas que com ela partilham do serviço no Paço não encontram justificação para o seu estado de abatimento, para as crises cerradas de choro, para a fuga às perguntas e à ajuda que lhe querem dar. Quando a fidalga evoca o desejo e o dever de morrer, o seu sofrimento é tão extremo e irreal que a julgam vítima de um colapso nervoso. O médico da Real Câmara, João Francisco Oliveira, cujos conhecimentos científicos e modernidade de métodos eram reconhecidos, entra em cena.
D. Eugénia pede licença no Paço, para recolher a casa do seu irmão mais velho, Gregório, militar de carreira, e de sua cunhada D. Francisca, também ela dama de D. Carlota Joaquina. A liberdade de movimentos do médico, quer na Corte quer na intimidade de D. Eugénia, foram decisivos para possibilitar a cobertura da sua fuga. A 28 de Maio, estão longe mas acossados. O intendente-geral Pina Manique, o homem que tudo sabia em Portugal, quando emite instruções de perseguição ao visconde de Anadia, ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha é vago e impreciso, coisa estranha e rara no Intendente:
  • ocorrem notícias que [...] o Físico Mor João Francisco Oliveira se intenta transportar com a Senhora que raptou, ou em huma Embarcação Dinamarquesa, ou em outra Sueca denominada Hezard ou em hum Cahique invocado N.S. das Barraquinhas.
Pobre do poderoso Intendente, senhor da fama e das benesses de ser os olhos e os ouvidos do Príncipe Regente, atarantado com tanta barraquinha e a ordenar que no cazo que no Rio desta cidade esteja surta alguma Embarcação de Guerra [...] a queira mandar sahir immediatamente. Como se os pesados veleiros de Sua Majestade fossem lanchas ultra-rápidas, capazes de alcançar um barco ligeiro que levava avanço no mar. Era preciso diligenciar, diligenciava-se. Fosse hoje, e provavelmente alguém nomearia uma comissão de inquérito. Nada mudou muito neste jardim à beira-mar plantado, quando se trata de mostrar que algo está a ser feito mas sem pretender exactamente resolver coisa alguma. Mais certeiro, por certo melhor informado, mas igualmente lento, foi o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, João de Almeida de Melo e Castro, 5.º conde das Galveias. Por cúmulo, o assunto tocava-o pessoalmente, era cunhado da fugitiva, casado com a sua irmã D. Isabel José de Menezes, senhora de grande beleza e que, à data, rondaria os vinte e dois anos (casou aos dezassete, o marido era vinte e cinco anos mais velho).

A 31 de Maio destaca um correio do seu gabinete, Francisco Nunes Soares, homem da sua confiança, que conhece pessoalmente os fugitivos e os pode identificar à vista, e envia-o a Cádis, com despachos para o cônsul de Portugal:
  • Tendo fugido desta capital na noute de 26 do Corrente Dona Eugénia Joze de Menezes filha do Conde de Cavalleiros, e Dama Camarista da Senhora Infanta D. Maria lzabel, com João Francisco de Oliveira [...] e sendo este facto alem da mais abominável perversidade, tão ofensivo não só aodecóro da Caza Real, mas, a decencia da Nobre, e distincta familia a que pertencia aquella Fidalga [...] se ponhão em pratica todas as deligências possíveis [...] que elles se apriendão.
As ordens, emanadas do Palácio de Queluz, exigem a prisão dos fugitivos e o arresto de todos os seus bens». In Eduardo Nobre, Paixões Reais, Quimera Editores, 2002, ISBN 972-589-081-7.

Cortesia de Quimera/JDACT