BELO
[…]
«Belo olhava a abóbada infinita,
co'o desespero, a ânsia, a agonia,
de triste náufrago que a terra fita!
Julgava-se infeliz... E, dia a dia,
o brilho que seus olhos esmaltava,
qual fumo ao vento , para o céu fugia...
Com o seu canto azul apascentava
um rebanho de sonhos vaporosos
que o seu meigo olhar acalentava.
Que lindos cantos! Seus lábios sequiosos
já não tinham o viço do medronho...
Sua cor fugia em tons harmoniosos...
Desde o tempo da vida que é risonho,
percorre a solidão e os verdes prados,
como um pastor d'estrelas e de sonho.
Tinha a idade dos jovens namorados,
que adornam dos seus lábios a frescura
com pérolas dos lírios orvalhados.
Sua loira cabeleira lisa e pura,
mm niágaras cai de sol doirado,
nos seus ombros, qual luz em sombra escura.
Usa túnica já, de pano usado…
E ajuda-o a saltar esses valados
o vigoroso pau do seu cajado.
Com a face e os olhos marejados
de doces lágrimas que ao sol do amor
parecem astros de brilhar cansados.
Belo percorria, guiado pela Dor,
o negro mundo que aos pés calcava,
e onde escarrava todo o seu rancor!...
Ninguém o compreendia nem amava...
E quem no amasse apenas um só dia,
eis o que ele no mundo procurava...
A saudade o alegrava e entristecia...
É que ela faz a dor e o prazer,
como a mesma luz faz a noite e o dia...
Quando com nojo olhava o seu sofrer,
do lindo sonho alumiava a imagem
com aluz baça dum suspiro a arder...
Nesta tempestuosa e longa viagem,
Belo viu o monte onde a soidão pranteia,
como quem vê no céu uma miragem!...
Com o auxílio da luz da lua cheia,
subiu depressa a encosta ao seu clarão,
como atraído por canto de sereia.
Deste modo alcançou a solidão
onde nós o encontramos a cantar,
Co'o seu olhar, aluz duma canção.
[…]
2ª parte do Poema Belo de Teixeira de Pascoaes, in ‘Belo, À Minha Alma, Sempre, Terra Proibida’
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