domingo, 30 de junho de 2013

Em Demanda do Cataio. A Viagem de Bento de Goes à China 1603-1607. Eduardo Brazão. «Mais tarde, quando chega a Pequim, o famoso missionário rectifica a sua primeira hipótese: “a China devia ser o Cataio antigo”; aquela esplendorosa cidade, a de Khanbalik, que tanto impressionara o viajante Polo»

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A China e o Cataio. Pequim e Khanbalik

NOTA: Corte do grão-mogol. O fundador da dinastia descendia, pelo lado materno, de Gengis Khan. Nos primeiros tempos das nossas missões reinava Acbar (1556-1605), cujos domínios se estendiam do golfo de Bengala ao oceano Índico, compreendendo todo o vale do Indo e grande parte do Afeganistão. Esta primeira missão a que nos referimos (1580-1583) era composta dos padres Rodolfo Acquaviva, italiano e superior, António Montserrat, espanhol, e Francisco Henriques.
Em 1594 foi o próprio Acbar que pediu para Goa uma nova missão de jesuítas. Foi ela constituída pelos padres Jerónimo Xavier, sobrinho do Apóstolo das Índias, o açoriano Manuel Pinheiro e o irmão Bento de Goes. Em 1600 juntava-se-lhes o padre Francisco Corsi.

«(…) Só na terceira missão (ver Nota) se procurou resolver definitivamente o problema apaixonante. As notícias chegavam de todas as partes, pelos mercadores e pelos missionários da China, havia cristãos perdidos para lá do Himalaia. Seria o Cataio? Mas este, tão recheado outrora de nestorianos, também começava a ser identificado com a China, onde se não haviam ainda encontrado os da nossa Fé. De início Ricci não conhecera cristãos na China: non ve ne esser nessuno e mai esser là arrivata la lege christiana. No entanto, mais tarde chegaram ao grande missionário, em 1602, notícias de nestorianos em Suchow, perto de Kanchow, no actual Kansu. Eram de cor branca, barbudos, tinham igrejas e capelas onde adoravam o crucifixo e a Mãe de Deus. Que tinham sacerdotes com votos de castidade. A carta onde Ricci contava estes factos aos incrédulos padres da Índia sobre a sua identificação deve ter chegado depois da partida de Bento de Goes para a sua viagem. Duas hipóteses diferentes que era preciso esclarecer.
Do lado de Goa, a grande alma do empreendimento era o visitador, padre Nicolau Pimenta (o padre Pimenta nasceu em Santarém em 6 de Dezembro de 1546, entrou na Companhia em 1562. Em 1599 era visitador em Goa, onde morreu em 1614), que incitava os seus ardorosos missionários do grão-mogol na identificação, os que procuravam cristãos para encontrar o Cataio. Do lado do Império do Meio, Matteo Ricci levantava já abertamente o problema de que a terra famosa do Veneziano não era senão a China como anteriormente já o havia dito frei Martin de Rada.

NOTA: A ideia da identificação do Cataio com a China tem sido geralmente atribuída a Matteo Ricci. No entanto, já antes dele, o frade espanhol, da Ordem de Sto. Agostinho, frei Martin de Rada, o tinha afirmado. Na sua Relacion de las cosas de china que propriamente se llama Taybin, manuscrito incorporado num códex anónimo compilado em Manila em 1590. Martin de Rada nasceu em Pamplona em 1533. Tomou o hábito de Sto. Agostinho em Salamanca aos vinte anos. Partiu depois para o México como missionário. Em 1564 ofereceu-se para acompanhar Miguel López Legazpi e frei André Urdaneta na expedição às Filipinas. Aí exerceu com verdadeiro ardor apostólico o seu mister. Eleito provincial da sua Ordem empenhou-se em convencer o vice-rei do México na conquista espanhola da China. Pediu para ir sondar o terreno. Se a ideia tinha muito de sentido espiritual, havia também a cobiça das riquezas que os portugueses por ali andavam arrecadando, como constava nas Filipinas. Finalmente, em 1575 foi enviado ao Fukien, onde permaneceu dois meses. Dessa visita e contactos resultou o relato que ele escreveu para conhecimento oficial e onde destacamos a sua ideia da identificação do Cataio com a China.

Escrevia aquele para Roma, ao geral Acquaviva, em Outubro de 1596: Ned fine, voglio scrivere una curiositá che. penso, V. P. et altri si rallegrerá intendere, et è una congettura che feci, che la città di Nanchino, dove fui l'anno passato, metropoli e sedia regale antica della Cina, per varie congetture penso essere il Cataio di Marco Polo... e cosí il Cataio, al mio parere, non è di altro regno che della Cina. Mais tarde, quando chega a Pequim, o famoso missionário rectifica a sua primeira hipótese: a China devia ser o Cataio antigo; aquela esplendorosa cidade, a de Khanbalik, que tanto impressionara o viajante Polo. Mas assim ainda não pensavam os nossos da Índia. O padre Jerónimo Xavier, sobrinho do Apóstolo, escrevia de Lahore em 1598, depois da sua viagem ao Kashmir, três cartas que excitaram os ânimos dos seus confrades e iam empurrar decididamente o problema até à sua definitiva conclusão.
Os missionários do Padroado Português, que nunca depararam com dificuldades que não vencessem, levantavam pouco a pouco o véu deste mistério. Contava Xavier, nas suas epístolas de 26 de Julho e 2 de Agosto daquele ano, que um velho mercador maometano dissera ao príncipe Salim, mais tarde imperador, que vinha de Xambalù ou Cambalù, capital do grande reino de Xatai. Logo o missionário comentava que este nome molti sembra essere lo stesso che il nostro Catai. Lá estivera 13 anos, dizendo-se embaixador de Casgar. Mais contava o mercador que os habitantes daquele país distante eram de belo parecer, brancos de cor, usando longa barba. Que praticavam várias religiões, mas a maioria eram cristãos. Tinham muitas igrejas, algumas magníficas e todas adornadas com a Cruz que especialmente veneravam. As crianças eram baptizadas, os sacerdotes celibatários e vestiam-se como aqueles missionários do mogol. Que o rei daqueles reinos era também cristão».

In Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A Viagem de Bento de Goes à China, 1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa 1969.

Cortesia de Gráfica Imperial/JDACT