Próximo aos Seus Últimos Dias
Ave da morte, que piando agouros
tinges meus ares de funéreo luto!
Ave da morte (que em teus ais a escuto),
meus dias murcharás, mas não meus louros:
Doou-me Febo aos séculos vindouros,
deponho a flor da vida, e guardo o fruto,
pagando em vil matéria um vão tributo,
retenho a posse de imortais tesouros.
Nome no tempo e ser na eternidade!
Que fado! Ó ponto escuro, assoma embora,
dê-me o piedoso adeus comum saudade:
E rindo-me na campa os dons de Flora,
mais do que eles a adorne esta verdade:
“Lísia cantava Elmano e Lísia o chora”.
Sobre o Mesmo Assunto
Nestóreos dias, que sonhava Elmano,
brilhantes de almos gostos, d'áurea sorte,
pomposa fantasia, audaz transporte,
as asas cerceai do orgulho insano:
Plano de um nume contradiz meu plano,
e quer que se esvaeça, e quer que aborte;
eis, eis palpita, precursor da morte,
No túmido aneurisma o desengano:
Adeus, ó génios que Olisseia admira!
Cantor, que honrastes, honrareis cantores,
versos, pranto lhe dai, que Elmano expira
deixai-lhe a cinza em paz, fatais Amores;
e vós do extinto vate a campa, e lira,
virtudes, que exaltou, cobri de flores!
Ditado entre as Agonias do seu Trânsito Final
Já Bocage não sou!... À cova escura
meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos Céus ultrajei! O meu tormento
leve me torne sempre a terra dura:
Conheço agora já quão vã figura
em prosa e verso fez meu louco intento;
musa!... Tivera algum merecimento
se um raio da razão seguisse pura!
Eu me arrependo; a língua quase fria
brade em alto pregão à mocidade,
que atrás do som fantástico corria:
Outro Aretino fui... A santidade
manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
rasga meus versos, crê na eternidade!
Sonetos de Bocage, in ‘Sonetos’
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