Os
Missionários do Padroado Português no Extremo Oriente
«(…)
Francisco Xavier, já
triunfador na Índia e nas Molucas, sai estrategicamente do Japão, não fosse ele
um soldado experimentado de Loiola, no intuito de o conquistar um dia, quando
tivesse ganho a China. O Japão deveria ser o último passo naquele mundo
extremo-oriental. Houvera um erro de estratégia que era preciso, quanto antes,
rectificar. São do Apóstolo estas palavras, escritas em 1552: A terra da China,
está perto do Japão, e, da China lhe forão levadas as seitas que tem.
Depois, contava da surpresa dos japoneses perante aquele credo novo. Para eles
era coisa estranha que, sendo tal doutrina verdadeira, os chinas não a
conhecessem e praticassem: os
japoneses se espantavão muyto todos en geral pareçendolhes que, pois n'a lenda
dos seus santos nom fazião menção d'este Criador, que nom podia aver hum
Criador de todas as cousas. E mais, se todas as cousas do mundo tiverão principio,
que a gemte da China soubera isto, de omde lhes veyo as leys que tem. Tem eles
pera sy que os chins são muyto sabedores, asy n'as cousas do outro mundo, como
n'a gobernação de reepubliqua... Era necessário doutrinar primeiro o velho
Império do Meio.
Voltava
de novo à Índia Francisco Xavier e aí prepara uma embaixada à China. Em Agosto
de 1552 chegava à pequena ilha de
Sanchuão, não distante de Macau, ali mesmo em face da imensa terra chinesa
cuja conquista para Deus foi o último grande sonho do Apóstolo. Morria pouco
depois, em Dezembro desse ano, sem o ter realizado. Mas abria as portas da
empresa gigantesca. Poucas semanas antes de S. Francisco Xavier expirar na ilha
de Sanchuão, com os olhos postos naqueles distantes horizontes em que ele
tanto desejou penetrar, nascia, em Macerata, Matteo Ricci, glória da Companhia
de Jesus e de Portugal de cuja obra foi um dos mais ilustres obreiros. Ia ser
ele que pegaria no facho luminoso que o Apóstolo
das Índias deixara cair das suas mãos inertes.
Organizava-se,
em terras bem portuguesas de Macau, cabeça do nosso Padroado do Extremo
Oriente, o assalto espiritual à China pagã. Alexandre Valignano, um
italiano dos Abruzzos, organiza o ataque há tanto combinado. Mas aquele mundo pareceu-lhe
logo impenetrável, o que levava o Visitador a pronunciar a célebre frase,
recolhida por Semedo, e atirada pelo famoso jesuíta às terras indomáveis que se
desfrutavam do cimo das nossas colinas: O
rocca! O rocca! quando finalmente ti aprirai al Vangelo? São pedidos
padres para Goa, aonde, com Valignano,
haviam chegado tantos na leva de 1574. Em
1579 desembarca, em Macau, Miguel
Ruggieri, que se começa a preparar na aprendizagem da língua chinesa com
mais quatro irmãos leigos que já ali se encontravam. Pouco tempo volvido, em 1582, chega Matteo Ricci. Era o início da obra portuguesa nas
terras do Império do Meio.
Notável
foi a compreensão que logo o Visitador Valignano e depois Ricci e Ruggieri
tiveram da forma a adoptar para a penetração na China. Queria o primeiro, pô-lo
em prática o segundo, que em vez de se pretender europeizar o Oriente fosse
cada missionário, nos limites da moral evangélica, indiano na Índia, chinês na
China, japonês no Japão. Os resultados de tal critério estão bem patentes no triunfo
de Ricci e dos seus sucessores. O rochedo tinha-se aberto.
A China e o Cataio. Pequim e Khanbalik
Com
a chegada dos missionários do Padroado Português à Índia e à China folheiam-se
de novo as páginas do livro de Marco Polo. Vêm à memória o Grão-Cataio e a cidade deslumbrante dos Khans, onde se tinham encontrado
heréticos. Cruzavam-se aquelas terras adustas, não parava o labor dos nossos
padres. E logo na primeira missão à corte do grão-mogol chegam notícias ao padre
Montserrat, então no Kashmir, que no Tibet havia quem
comungasse em certo templo das mãos dum sacerdote, nas duas espécies sagradas.
Pensou-se em mandar reconhecer o terreno, ainda que tão difícil de alcançar,
mas o insucesso final desses primeiros mensageiros da Fé Cristã na corte de
Acbar fez por de parte o intento».
In
Eduardo Brazão, Em Demanda do Cataio, A Viagem de Bento de Goes à China,
1603-1607, Gráfica Imperial, 2ª edição, Lisboa 1969.
Cortesia
de Gráfica Imperial/JDACT