sábado, 8 de junho de 2013

‘Daniel’. O Jovem Revolucionário. Uma Biografia Política. Álvaro Cunhal. Pacheco Pereira. «… faz o que um jovem da sua idade faz em férias: vai para a praia, toma banho, namora. Lê e discute. Participa em récitas teatrais no casino local. Uma das pessoas que aí conhece é ‘Armando Magalhães’, vidreiro da Marinha Grande»

Cortesia de wikipedia e jdact

1913-1941
«(…) A grande vaidade de Cunhal foi sempre mostrar que se pode ser capaz. Interpreta por isso a história da sua vida como uma história de ascese, de sacrifício, de rito de passagem com sentido teológico, que lhe serve para explicar os seus actos. Cunhal vai sempre mostrar que é capaz, não para si próprio, para a sua vaidade, mas para a sua mestra e senhora: a História. Mas ele sabe que, no íntimo, o mundo do Céu permanece intangível, o mundo de sua mãe permanece intacto, e Álvaro Cunhal aspirará sempre à santidade, como na sua infância de crente.
Cunhal encontra-se aqui com as personagens da ficção do início do século XX, com as personagens de Romain Rolland, de Joyce jovem, de Hermann Hesse, que constroem a sua personalidade através de uma crise interior que as aproxima ou da História, se são revolucionários, ou da sua negação, se são estetas. Revoltando-se contra a Igreja, a família, a escola, a sociedade, reencontram-se consigo próprios e com o seu destino. É contra a mãe que Cunhal se revolta, ao recusar as suas convicções religiosas. É contra a mãe que ele se reconstrói como revolucionário, mas é no pai que encontra as referências para a sua opção política. Cunhal tem no pai uma outra influência, que ele acabará por sempre reconhecer como decisiva para as suas escolhas de adolescente. Mas na aceitação do pai há muito de recusa da mãe. E as recusas são muitas vezes mais formadoras do que as escolhas.


O caminho para o comunismo
«Si solo se lucha por lo seguro lo que realmente pasa, eso seria igual a no hacer nada, renunciar a la lucha y aceptar la sumisión eterna a la explotación, a la opresión y la injusticia». In Álvaro Cunhal, ‘A Casa de Eulália’

A aproximação ao comunismo
1931-1935
Cunhal tem 13 anos quando acaba a I República e começa o longo período de ditadura do Estado Novo. Está com a família há pouco tempo em Lisboa. Já não é a criança protegida que cresceu num meio rural, distante, pequeno, mas um rapaz que veio para a grande cidade e para quem muita coisa vai mudar em pouco tempo. O período crucial da sua adolescência acompanha os primeiros anos de ditadura, anos de confrontos violentos a que ninguém podia ficar insensível, como foi o caso da revolta de 1927 em Lisboa e no Porto, a revolta da Madeira de 1931 e as revoltas de 1931-1932 em Lisboa. Para quem vivia em Lisboa, era impossível desconhecer os movimentos de tropas e de civis revoltosos, o barulho dos tiros, a necessidade de se refugiar em casa, o ocasional conhecimento directo e físico de que se matava e morria nas ruas. Para um estudante do Liceu é nas próprias aulas que essa instabilidade se manifesta, muitas vezes interrompidas, por precaução, para proteger os estudantes. Cunhal começa por ir para o Liceu Pedro Nunes e, depois, para o Liceu Camões.
[…]



Mesmo que não se tome à letra tanta precocidade, não há dúvidas que o encontro de Álvaro Cunhal com o comunismo se deu desde muito novo, quase como um desejo de procura de identidade adolescente. Cunhal desejava ser comunista antes de o ser, Cunhal procurava o comunismo e assediava os amigos e conhecidos manifestando a sua vontade. Nestes anos, Cunhal passava o Verão na Praia de S. Pedro de Muel, onde a família alugava uma casa. São férias típicas de uma família já com alguns recursos. Cunhal faz o que um jovem da sua idade faz em férias: vai para a praia, toma banho, namora. Lê e discute. Participa em récitas teatrais no casino local. Uma das pessoas que aí conhece é Armando Magalhães, vidreiro da Marinha Grande, que irá ser um dos principais dirigentes comunistas no fim da década de trinta, a quem o jovem Cunhal manifesta a vontade de ser comunista. Pelo relato de Magalhães, este deve ter-lhe dado qualquer resposta evasiva ou mesmo sarcástica. Quando ambos se encontram em Moscovo em 1935, Cunhal dirigiu-se a Magalhães para lhe lembrar o sucesso da sua determinação: Eu não te disse? Dissera e fizera.
O que é que fez Cunhal querer ser comunista? Á aproximação de Cunhal, como a de muitos jovens do seu tempo, ao comunismo parecia uma inevitabilidade. A outra inevitabilidade seria o movimento no sentido inverso, a aproximação de outros jovens ao fascismo. Comunismo e fascismo, em si próprios e na sua oposição, ocupavam todo o terreno da luta política, varrendo pouco a pouco a complexidade dos anos da República, com a sua miríade de grupos, partidos e opções, reduzindo tudo a escolhas claras, opostas e extremas. As antigas divisões entre monárquicos e republicanos, entre as diferentes facções oriundas do Partido Republicano histórico, entre anarquistas, anarco-sindicalistas e sindicalistas revolucionários, entre socialistas e comunistas, do PCP, a esquerda democrática e social e as múltiplas variantes de reformismo socializante, todo este mundo ainda existia no início dos anos trinta, mas estava a acabar. E, por muito que as paixões políticas ainda estivessem presas ao passado, e vão estar quase até ao fim da década de trinta em grupos cada vez mais minoritários e isolados, elas envolviam essencialmente uma elite urbana isolada da maioria do país. O republicanismo carbonário tinha sido popular em meios da pequena-burguesia e do operariado, o sindicalismo tinha conhecido um momento de apogeu, mas não tinham atingido as massas e suscitado o envolvimento das multidões». In Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal, Uma Biografia Política, ‘Daniel’, O Jovem Revolucionário, 1913-1941, Temas e Debates, Lisboa, 1999, ISBN 972-759-150-7.

Cortesia de Temas e Debates/JDACT