segunda-feira, 10 de junho de 2013

Poesia. A Vida Breve. «Cada dia sem gozo não foi teu, foi só durares nele. Quanto vivas sem que o gozes, não vives. Não pesa que amas, bebas ou sorrias: basta o reflexo do sol ido na água de um charco, se te é grato. Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas seu prazer posto, nenhum dia nega a natural ventura!»

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Uivo
 […]
Que foram atrás das pegas através do Colorado
numa miríade de automóveis roubados, N. C.,
iniciais do secreto protagonista destes poemas,
galifão emérito, Adónis de Denver, alegria em
memória das suas inúmeras justaposições em
raparigas em terrenos baldios e saguões de restaurantes,
cinemas, cumes de montanha, cavernas,
ou posses de empregadas de balcão com as
saias levantadas em postos de gasolina conhecidos
à beira da estrada e em retretes especialmente secretas,
em ruelas na cidade natal também.

Que se esvaíram em filmes vastos e sórdidos,
mudaram de turno em sonhos, acordaram perante
uma Manhattan súbita e conseguiram levantar-se
do chão em caves de ressaca, com implacável
horror da 3.ªAvenida e dos seus sonhos de ferro,
para tropeçarem a seguir nos Serviços de Desemprego,
que caminharam durante toda a noite com os
sapatos cheios de sangue pelas docas cobertas
de neve esperando que uma porta no East River
se abrisse para lhes dar entrada num quarto
cheio de vapor e de ópio.

Que criaram grandes dramas suicidas nas margens
do Hudson povoadas de apartamentos sob a luz
azul da lua como um holofote do período da
guerra & as suas cabeças serão coroadas de
louros não em memória mas em olvido.

Que comeram o guisado de cordeiro da imaginação
ou digeriram o caranguejo no fundo enlameado
dos rios da Bowery.

Que choraram comovidamente com a visão
romântica das ruas e dos carrinhos de fruta cheios de
cebolas e de música desafinada, que se deixaram
ficar sentados em caixotes, respirando na escuridão,
sob a ponte, e depois se ergueram para irem
construir harpas nos seus sótãos.

Que tossiram no sexto andar do bairro de Harlém,
coroados de chamas contra o céu tuberculoso
cercado das grades cor-de-laranja da teologia,

Qque rabiscaram durante a noite rock-and-rollando
anotando altos encantamentos que à luz amarela
da manhã se revelaram não passar de estâncias
disparatadas.

Que cozinharam animais podres pulmões corações
pés caudas borsht & tortilhas sonhando no entanto
com um reino puramente vegetal.
[…]

Parte do Poema de Allen Ginsberg, in 'Uivo’

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