sexta-feira, 14 de junho de 2013

Conferência Pública. Atheneu Commercial de Lisboa. Noite de 15 de Julho de 1900. Alexandre Herculano. Diogo Rosa Machado. «O homem que introduziu em Portugal a philosophia da historia e que tão eloquentemente advogou a causa da instrucção popular, deu provas de quanto amava a cultura scientifica e philosophica»

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«(…) Como é profundamente arrebatador este bellissimo trecho, onde o sentimento religioso é expresso com tanto vigor como nos Pensamentos de Pascal ou nos Sermões de Bossuet e onde a concisão e a harmonia se reúnem do modo mais assombroso! No eloquentíssimo prologo do Parocho d'aldeia ha mais profundeza, energia e solemnidade do que nos mais bellos capítulos do Génio do christianismo de Chateaubriand. Este admirável prologo é um verdadeiro poema philosophico, onde se revela um raciocionio vigoroso alliado a uma pujante imaginação e ardentíssima sensibilidade.
Como Pascal, Herculano caiu no scepticismo philosophico e, vendo quão profundas eram as dores que a dúvida produzia na sua alma e quão grande era a fraqueza da razão humana, abraçou-se com a cruz, procurando refúgio na religião, que era para elle uma fonte perenne de consolações e onde encontrava tudo quanto havia mais bello e grandioso para o seu coração ardentíssimo, tudo quanto podia satisfazer a sua grande imaginação de poeta. Para Herculano o christianismo era não só a mais sublime de todas as religiões mas a causa principal da civilização moderna. Não ensinou Christo que todos os homens eram eguaes perante Deus, isto é, perante a Justiça eterna? Não foi elle quem primeiro pregou a fraternidade universal e a tolerância? Não causaram as suas palavras vibrantes e sonoras, os seus discursos profundamente liberaes tanto susto aos tyrannos e hypocritas?
Para Herculano o christianismo era um facto altamente grandioso não só pelo lado poético mas também pelo lado social; para elle tinham uma significação profundamente análoga estas duas palavras: redempção e liberdade. Em Herculano havia duas almas, que mantinham entre si um perfeito equilíbrio:
  • uma, religiosa e poética;
  • outra, philosophica e propensa ao scepticismo.
A primeira fez d'elle um escriptor de primeira ordem; a segunda, um pensador profundo, que eliminou da nossa historia tudo quanto nella havia phantastico e milagroso. Herculano não era certamente um inimigo da philosophia; o que apenas teve em vista no prologo do Parocho d'aldeia foi exprimir as agonias intimas produzidas pelo scepticismo involuntário e mostrar quão doce era a tranquillidade gerada pela crença viva. O homem que introduziu em Portugal a philosophia da historia e que tão eloquentemente advogou nalguns dos seus escriptos a causa da instrucção popular, deu bastantes provas de quanto amava a cultura scientifica e philosophica. Aquelle prologo é apenas um desabafo de poeta, uma manifestação sincera e profundamente lancinante dos tormentos que opprimiam a sua alma, que gemia na dúvida, embora nella estivesse profundamente gravado o sentimento religioso.
Os escriptores mais eloquentes têm ordinariamente sido religiosos. Se a nossa imaginação se transportar á Grécia, á pátria da poesia, da eloquência e da philosophia, lá encontraremos a propagar o idealismo o divino Platão, aquelle grande philosopho a quem Mithridates levantou uma estatua e Aristóteles um altar e cujo estylo poético, enthusiastico, doce e harmonioso ainda hoje causa a admiração do mundo. Com que energia não é expresso o sentimento religioso nas sublimes odes de Pindaro e nas solemnes e magestosas tragedias de Eschylo! Passemos a Roma, e lá acharemos o sentimento religioso revelado nas obras de Virgílio, de Cicero e de Tito Livio. O grande Lucrécio, o mais profundo e um dos mais eloquentes poetas romanos, que no seu brilhante poema Da natureza das cousas romanizou o epicurismo, negou a existência dos deuses e a imortalidade da alma, divinizou a matéria, explicou a origem do mundo sem intervenção divina e aconselhou o suicídio, foi sem dúvida uma excepção».

In Diogo Rosa Machado, Alexandre Herculano, Conferência Pública realizada no Atheneu Commercial de Lisboa, na noite de 15 de Julho de 1900, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, Lpor H539. Yma, 556544, 14.1.53.

Cortesia de L. Tavares Cardoso & Irmão/JDACT