segunda-feira, 3 de junho de 2013

A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária. Álvaro Manuel Machado. «Quanto a Oliveira Martins, ocupa um lugar à parte, situando-se mais próximo dos socialistas utópicos, Antero sobretudo, embora acabasse por renunciar à ideia de revolução e a ela preferisse um reformismo cesarista»

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«(…) E Herculano, que servirá de modelo à Geração de 70, acabaria assim por retirar-se, em 1867, para Vale-de-Lobos, perto de Santarém, onde se entregou à lavoura, tendo, segundo Fidelino Figueiredo estudado a sério alguns problemas da economia agrícola e fabricado o melhor azeite do seu tempo. Entretanto, a agitação ideológica de inspiração socialista e utópica não cessa, e dela nascerá a Geração de 70, com todas as suas tantas vezes dramáticas contradições, que são as da época e as dos próprios indivíduos, não nos esqueçamos, aliás, de que o século XIX é essencialmente o século do individualismo, que a compõem. Assim, à publicação do primeiro número do jornal A República, em 1848, segue-se a de muitos outros jornais, revistas e folhetos cujo tom dominante é também o de, polemicamente e por vezes ingenuamente, anunciar a revolução republicana. Uma revolução que, no princípio da segunda metade do século XIX, é ainda muito vagamente concebida, mas que reflecte já, em todo o caso, uma tendência a favor da pequena burguesia, mais exactamente, essa pequena burguesia das cidades, sobretudo de Lisboa e do Porto, que, ligada a uma parte da média burguesia rural, será o pilar da Revolução Republicana de 1910.
Por outro lado, as primeiras ideias comunistas, ou mais propriamente, fourieristas, expandem-se. Que é o comunismo?, folheto assinado por um tal Guérin de Vitry, surge ainda em 1848 e O Eco dos Operários em Abril de 1850, em Lisboa. Deixa de se falar vagamente de povo, passando a falar-se de operários ou de classe operária. A primeira greve, uma greve de tipógrafos, data de 1852. Este movimento culmina em 1875, com a fundação do Partido Socialista. Note-se que em breve houve uma separação entre o socialismo e a ortodoxia republicana, a qual se foi tornando cada vez mais sólida a partir de 1870 e, sobretudo, desde a fundação do Partido Republicano, em 1873, até ao fim do século. Isto significa que, na altura das Conferências do Casino de Lisboa, em Maio e Junho de 1871, conferências que manifestaram o que de essencialmente novo no domínio das ideias a Geração de 70 veio trazer à cultura portuguesa, a ideologia socialista era já minoritária.
Este facto pode legitimamente levar-nos a pensar que, na Geração de 70, a ideologia socialista se radicava numa cultura vinda do romantismo do princípio do século. O que significa que, se ela reagiu desde as Conferências do Casino contra o romantismo como mal du siècle, recusou por outro lado a cultura pequeno burguesa do republicanismo em formação. Veremos que esta oposição socialismo republicanismo fará com que a própria Geração de 70, no sentido propriamente histórico do termo, se divida: por um lado, os socialistas utópicos como Antero e, de certo modo, Eça de Queirós; por outro lado, os partidários do republicanismo pequeno-burguês, como Teófilo Braga, Guerra Junqueiro e o próprio Ramalho Ortigão, que, aliás, de espírito utópico nunca nada teve.
A diferença entre as duas tendências políticas dominantes marca também, afinal, uma diferença de valores culturais, os primeiros sendo sem dúvida mais complexos e mais universais do que os segundos. Quanto a Oliveira Martins, ocupa um lugar à parte, situando-se mais próximo dos socialistas utópicos, Antero sobretudo, embora acabasse por renunciar à ideia de revolução e a ela preferisse um reformismo cesarista. O certo é que, em última análise, relativamente ao ambiente histórico da burguesia da segunda metade do século XIX e à evolução dos ideais políticos sintetizados pela oposição socialismo-republicanismo, a Geração de 70 se dividiu, passando por duas fases principais. Há, assim, a primeira fase, a de uma linha ideológica nitidamente evolutiva, que vai do período polémico, antes da década de 70, do Bom senso e bom gosto, polémica de Antero, ainda ao lado de Teófilo Braga, em Coimbra, contra o provincianismo cultural da degenerescência romântica dominada por António Feliciano Castilho que, aliás, era um clássico, defensor da clarté francesa, ou mais exactamente cartesiana, contra o abstraccionismo metafísico dos alemães, entusiasta de Molière contra Goethe, ao período propriamente ideológico, em Lisboa, do Cenáculo e das Conferências do Casino de 1871, ano, não nos esqueçamos, da Comuna de Paris.
A segunda fase, que é a fase final e que corresponde ao fim do século, é a fase do grupo dos Vencidos da Vida. É a fase em que Eça como, aliás, Antero e Oliveira Martins renuncia à acção política e ideológica imediata. Surge então a idealização vaga de uma aristocracia iluminada, contraponto do socialismo utópico. Prova-o, por exemplo, o elogio que Eça faz do rei Carlos I numa Nota do mês publicada na Revista de Portugal, sob o pseudónimo de João Gomes, e consagrada à morte de Luís I, igualmente exaltado pelo escritor».

In Álvaro Manuel Machado, A Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand, 1986.

Cortesia do Instituto Camões/JDACT