«(…) E Herculano, que servirá de modelo à Geração
de 70, acabaria assim por retirar-se, em 1867, para Vale-de-Lobos, perto de Santarém, onde se
entregou à lavoura, tendo, segundo Fidelino Figueiredo estudado a sério
alguns problemas da economia agrícola e fabricado o melhor azeite do seu tempo. Entretanto, a agitação
ideológica de inspiração socialista e utópica não cessa, e dela nascerá a Geração
de 70, com todas as suas tantas vezes dramáticas contradições, que são
as da época e as dos próprios indivíduos, não nos esqueçamos, aliás, de que o
século XIX é essencialmente o século do individualismo, que a compõem. Assim, à
publicação do primeiro número do jornal A
República, em 1848, segue-se
a de muitos outros jornais, revistas e folhetos cujo tom dominante é também o
de, polemicamente e por vezes ingenuamente, anunciar a revolução republicana. Uma revolução que, no princípio da segunda
metade do século XIX, é ainda muito vagamente concebida, mas que reflecte já,
em todo o caso, uma tendência a favor da pequena burguesia, mais exactamente,
essa pequena burguesia das cidades, sobretudo de Lisboa e do Porto, que, ligada
a uma parte da média burguesia rural, será o pilar da Revolução Republicana de 1910.
Por outro lado, as
primeiras ideias comunistas, ou mais
propriamente, fourieristas,
expandem-se. Que é o comunismo?,
folheto assinado por um tal Guérin de Vitry, surge ainda em 1848 e O Eco dos Operários em
Abril de 1850, em Lisboa. Deixa de
se falar vagamente de povo,
passando a falar-se de operários
ou de classe operária. A
primeira greve, uma greve de tipógrafos, data de 1852. Este movimento culmina em 1875, com a fundação do Partido
Socialista. Note-se que em breve houve uma separação entre o socialismo
e a ortodoxia republicana, a qual se foi tornando cada vez mais sólida a
partir de 1870 e, sobretudo, desde a
fundação do Partido Republicano, em 1873, até ao fim do século. Isto
significa que, na altura das Conferências do Casino de Lisboa, em
Maio e Junho de 1871, conferências
que manifestaram o que de essencialmente novo no domínio das ideias a Geração
de 70 veio trazer à cultura portuguesa, a ideologia socialista era já
minoritária.
Este facto pode
legitimamente levar-nos a pensar que, na Geração de 70, a ideologia
socialista se radicava numa cultura vinda do romantismo do princípio do século.
O que significa que, se ela reagiu desde as Conferências do Casino
contra o romantismo como mal du siècle, recusou por outro lado a cultura
pequeno burguesa do republicanismo em formação. Veremos que esta oposição
socialismo republicanismo fará com que a própria Geração de 70, no sentido
propriamente histórico do termo, se divida: por um lado, os socialistas
utópicos como Antero e, de certo
modo, Eça de Queirós; por
outro lado, os partidários do republicanismo pequeno-burguês, como Teófilo
Braga, Guerra Junqueiro e o próprio Ramalho Ortigão, que,
aliás, de espírito utópico nunca nada teve.
A diferença entre as
duas tendências políticas dominantes marca também, afinal, uma diferença de valores
culturais, os primeiros sendo sem dúvida mais complexos e mais universais do
que os segundos. Quanto a Oliveira
Martins, ocupa um lugar à parte, situando-se mais próximo dos socialistas
utópicos, Antero sobretudo, embora
acabasse por renunciar à ideia de revolução e a ela preferisse um reformismo
cesarista. O certo é que, em última análise, relativamente ao ambiente
histórico da burguesia da segunda metade do século XIX e à evolução dos ideais
políticos sintetizados pela oposição socialismo-republicanismo, a Geração
de 70 se dividiu, passando por duas fases principais. Há, assim, a
primeira fase, a de uma linha ideológica nitidamente evolutiva, que vai do
período polémico, antes da década de 70, do Bom
senso e bom gosto, polémica de Antero,
ainda ao lado de Teófilo Braga, em Coimbra, contra o provincianismo
cultural da degenerescência romântica dominada por António Feliciano Castilho
que, aliás, era um clássico, defensor
da clarté francesa, ou mais exactamente cartesiana, contra o abstraccionismo metafísico dos alemães,
entusiasta de Molière contra Goethe, ao período propriamente
ideológico, em Lisboa, do Cenáculo e das Conferências do Casino de
1871, ano, não nos esqueçamos, da Comuna de Paris.
A segunda fase,
que é a fase final e que corresponde ao fim do século, é a fase do grupo dos Vencidos da Vida. É a fase em que
Eça como, aliás, Antero e Oliveira Martins renuncia à acção política e ideológica imediata.
Surge então a idealização vaga de uma aristocracia iluminada, contraponto do
socialismo utópico. Prova-o, por exemplo, o elogio que Eça faz do rei Carlos I numa Nota
do mês publicada na Revista de Portugal, sob o pseudónimo de João
Gomes, e consagrada à morte de Luís I, igualmente exaltado pelo escritor».
In Álvaro Manuel Machado, A
Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand,
1986.
Cortesia do Instituto Camões/JDACT