terça-feira, 4 de junho de 2013

Literatura. Aquilino Ribeiro. “Alcança quem não cansa”. Serafina Martins. «… nos ‘Anais das Bibliotecas e Arquivos’, e que transparece também na produção romanesca, veja-se “A Via Sinuosa”, o “seu primeiro romance”. Além disso, com colegas de trabalho, um ‘grupo de intelectuais altamente representativo da mentalidade do tempo’»

Cortesia de icamoes

«Alcança quem não cansa, diz o ex-libris de Aquilino Ribeiro. Não poderia ter escolhido melhor este escritor, que se designava a si próprio como um obreiro das letras e que trabalhou incansavelmente quase até ao dia da sua morte, chegada a 27 de Maio de 1963; foi pouco depois de uma viagem ao Porto; aí ocorrera mais uma das muitas homenagens com as quais nesse ano, precisamente, o país consciente e temerário, prestava tributo aos cinquenta anos de trabalho do mestre, cuja arte de ficcionista, descontando alguma prosa de folhetim, começara a vir a lume em 1913, com a publicação do volume de contos Jardim das Tormentas.
Nascido a 13 de Setembro de 1885 no concelho de Sernancelhe, freguesia de Carregal
de Tabosa, uma lápide assinala a casa onde se julga que nasceu, filho de D. Mariana do Rosário Gomes e do padre Joaquim Francisco Ribeiro, tem uma infância, ao que se sabe, de miúdo um pouco mais que travesso, a tal ponto que ainda hoje é possível encontrar na zona quem tenha ouvido contar histórias picarescas de um menino destinado pela família à vida de sacerdócio. A sua ida para o Colégio da Senhora da Lapa, em 1895, seria o início de um percurso que o leva seguidamente para Lamego, mais tarde para Viseu, ano de 1902, onde vai estudar Filosofia, e, pouco tempo depois, para o Seminário de Beja, frequentado, ao que consta, pelos ordenandos mais recalcitrantes. Em 1904 é expulso do seminário, depois de ter dado uma réplica cortante a uma acusação do padre Manuel Ançã, um dos dois irmãos que ao tempo dirigiam a instituição.
Registos deste tempo juvenil encontramo-los ficcionados em A Via Sinuosa, no díptico Cinco Réis de Gente e Uma Luz ao Longe, com o decurso da ação, neste último título, no Colégio da Lapa, e sob a forma de memórias em Um Escritor Confessa-se, publicado postumamente. Neste volume, contudo, encontramos fundamentalmente relatos de um tempo tão empenhado politicamente como aventuroso, do qual há também relato ficcional no romance Lápides Partidas, que prossegue a história de A Via Sinuosa. É o tempo que, pese embora algumas intermitências, Aquilino Ribeiro passa em Lisboa, chegado em 1906; aí, divide-se pela escrita, com artigos de opinião publicados em jornais como A Vanguarda, jornal republicano, pela tradução (traduz Il Santo, de Fogazzaro) ou pela redação, em parceria com José Ferreira Silva, do folhetim A Filha do Jardineiro, uma ficção ao mesmo tempo de propaganda republicana e de crítica corrosiva às figuras do regime monárquico, a começar pelo rei Carlos I.
Verdadeiro homem de acção, um tipo social que o princípio do século XX muito exaltou, adere por completo às movimentações republicanas, quer através de um posicionamento pela escrita, quer através da participação em atividades que acabam por levá-lo à cadeia. De facto, no ano de 1907, o rebentamento de caixotes de explosivos guardados na sua casa leva à morte de dois correligionários e a que seja encarcerado na esquadra do Caminho Novo, de onde se evade em situações rocambolescas, como se pode ler no volume de memórias. Depois de alguns meses de clandestinidade em Lisboa, segue para Paris; aqui inscreve-se no curso de Filosofia da Sorbonne, onde tem a oportunidade de receber a lição de mestres como George Dumas, André Lalande, Levy Bruhl, Durckeim, e onde contacta com a intelectualidade portuguesa que, também por motivos políticos, se via forçada a viver fora de Portugal.
O curso, a política, os projectos editoriais que vai desenvolvendo com os companheiros de exílio, parte destas circunstâncias vêm relatadas em Leal da Câmara, uma biografia deste pintor, as crónicas que envia para Portugal, para publicação, nomeadamente na Ilustração Portuguesa e no jornal A Beira, a observação, as pesquisas de bibliófilo ainda lhe deixam tempo para escrever, na biblioteca da Sainte Geneviève, perto da Sorbonne, o volume de contos Jardim das Tormentas. Também em Paris, conhece Grete Tiedemann, sua primeira mulher e mãe do filho mais velho. No dealbar da guerra mundial, é forçado pelas circunstâncias a regressar ao seu país com a família, volta em 1914; a vida parisiense dos tempos que antecedem o advento do conflito vem relatada no volume diarístico É a Guerra, no qual ganha proeminência a crítica àquele que era na altura o ministro da Legação de Portugal em Paris, João Chagas. Fica incompleto o curso de Filosofia, que deixa para trás já depois de se ter matriculado no quarto ano, como se pode ver em registos guardados no Centre d'Accueil et de Recherche des Archives Nationales (Paris).
Já em Portugal, ocupam-no, para além da escrita ficcional e da escrita cronística para a imprensa periódica, uma atividade que desenvolverá com enorme regularidade ao longo de toda a sua vida, o trabalho de professor no Liceu Camões, onde fica durante três anos, e, posteriormente, o cargo de segundo bibliotecário na Biblioteca Nacional, para onde entra a convite de Raul Proença. Este posto, entre outras vantagens, dá-lhe a possibilidade de alimentar o seu gosto de bibliófilo pelo livro antigo, raro, um gosto que o levará produzir trabalhos de índole investigativa, publicados, por exemplo, nos Anais das Bibliotecas e Arquivos, e que transparece também na produção romanesca, veja-se A Via Sinuosa, o seu primeiro romance. Além disso, com colegas de trabalho, um grupo de intelectuais altamente representativo da mentalidade do tempo, como escreveu Manuel Mendes, continua a desenvolver uma atividade cívica que vai ter a sua expressão mais visível na revista Seara Nova, publicação preponderante quer na difusão dos ideais republicanos, sociais e educativos, nomeadamente, quer mesmo no evoluir da conturbada vida política da 1.ª República». In Serafina Martins, Aquilino Ribeiro Instituto Camões, Centro Virtual Camões, Figuras da Cultura Portuguesa.

Cortesia de I. Camões/JDACT