A Quinta da Regaleira e o Portugal Imaginal. Entrevista com José Manuel
Anes 2ª Parte. Da evidência da Identidade Imaginal Portuguesa à necessária
Re-criação da tradição
(…)
José: É imaginativo e corresponde
a uma característica desse ar criador grandioso do Carvalho Monteiro e
do Luigi Manini, que vão dar uma expressão cristã a um mito pagão numa
continuidade absoluta. Não há descontinuidade nenhuma. Ele vai cristianizar,
com essa fecundação de Leda por Zets,
fecundação por obra e graça do Espírito Santo. Espírito Santo que está
representado pela pomba.
Paulo: A pomba do Espírito Santo aqui poderá significar, no pensamento dos
seus autores, o advento da era do Espírito Santo...
José: Repare, o Espírito
Santo é causa e efeito. Eu penso que eles aqui dão uma grande piscadela de
olho ao leitor destes símbolos e deste conjunto do imaginário da Regaleira
dizendo: aqui está a concepção da imaculada Leda,
concepção divina, por Zeus, por obra e graça do Espírito Santo. Há uma
piscadela de olho dizendo: atenção, estas linguagens são universais e, quer o
paganismo quer o cristianismo, embora em registos diferentes, dizem a mesma
coisa, que é: a fecundação de uma matéria virgem, sempre virgem por mais
fecundada que seja, da qual nascem, naturalmente, Pólux ou Cristo.
Portanto, o Espírito Santo está na raiz deste processo, mas também pode ser
efeito. O Espírito Santo é o mediador e propicia essa união, a fusão do
masculino e do feminino, do espírito e da matéria, mas, por outro lado, é
também o resultado dessa união. Essa ambiguidade do Espírito Santo tem uma
dimensão activa e masculina, mas também tem essa dimensão feminina. É, digamos,
a Sekina, é a presença de
Deus, como aparece na tradição judaica.
Paulo: O Espírito Santo era feminino segundo o Evangelho dos Hebreus, e
para os gnósticos era a Sophia...
José: Mas a Sophia é
o equivalente à alma do mundo, a Anima Mundhi. E quando se quer
valorizar o imaginário, temos de nos recordar de que o objectivo desses grandes
nomes desta espiritualidade, como Corbin, Jung, Durand, etc., era
exactamente a valorização da alma do mundo, a recuperação, a reconquista da
alma do mundo. Esse é o grande desafio». In Quinta da Regaleira, Sintra, 2002.
As três colunas da Cultura Portuguesa. Entrevista com António Cândido
Franco
«António Cândido Franco nasceu em Lisboa. Tem consagrado grande
parte da sua investigação ao estudo da obra de Teixeira de Pascoaes.
Para além de lhe dedicar o doutoramento, tem dez obras publicadas sobre o
grande vate de Amarante. Cândido
Franco percorre a obra do génio saudosista, com a mesma intensidade de alma
e coração que o bardo da Renascença peregrinava pelas alturas do Marão, em
plena comunhão com o espírito da serra, esse mesmo espírito que dois milénios
antes foi cultuado pelos povos galaicos com o nome de Reve Marândico. Mas o
trabalho hermenêutico de Cândido Franco ultrapassa a obra de Pascoaes
no seu sentido estrito. Como hermeneuta da literatura, aprofunda os grande
temas enunciados pelo génio de Amarante, com destaque para o aprofundamento
relativo à temática que gira à volta da saudade.
António Cândido Franco tem tido, também, ampla actividade no
âmbito da crítica literária, com largas dezenas de artigos publicados,
nomeadamente no Jornal de Letras.
A musa inspiradora da literatura paira sobre a sua escrita, seja na prosa
ensaística ou ficcional. As suas palavras cruzam-se harmoniosamente,
transportando o sentido do seu pensamento com a mesma naturalidade que o rio encontra
as águas profundas do oceano. O seu estilo recorda-nos, inevitavelmente, o
padre António Vieira; a sua
abordagem filosófica, o pensamento de António Telmo.
Por coincidência, publicamos esta entrevista no cinquentenário da morte
física de Teixeira de Pascoaes (1877-1952), razão pela qual não podemos
deixar de prestar sentida homenagem ao grande bardo lusitano, autêntico Midas da literatura, pois tudo o que
tocava com a sua escrita transformava na harmonia dourada da beleza poética. De
tal modo por ele fluía a água cristalina das Musas que, por vezes, nas suas poesias, ele próprio parecia
transformar-se nessa água abençoada pelos espíritos da natureza. Para
ti, Teixeira, que hoje vives livre no teu Marão imaginal, um forte abraço em espírito...
Sabemos
que estás aí, sabemos que o teu Marão é mais verdadeiro do que todas as luzes
fugazes e efémeras, nascidas no seio de Maya para alimentar as ilusões dos
humanos.
In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições &
Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.
Cortesia de Ésquilo/JDACT