A Rainha Triste
«(…) Um cronista português defende que a mãe de Joana aproveitou o novo
poder dos infantes de Aragão para invocar a sua causa. Assim, en esta sombra de prosperydade, em que a
Raynha via seus irmaos em Castella, tomou tanta confyança pera seu recurso, que
nom quis aver por bom nenhum meo, que de Portugal sem o regimento, e criaçam
d'el Rey lhe fosse cometido. Mas a luz que projectavam os seus irmãos
não iluminava as suas irmãs do mesmo modo. Devido a isso, é muito provável que
a relação entre a rainha Leonor e a irmã se tivesse deteriorado, uma vez que a
segunda viu cumprido o seu objectivo de afastar o valido da corte, e a primeira
foi-se apercebendo que o cunhado castelhano não cumpria a promessa de a ajudar
a resolver os seus problemas portugueses. Na realidade, quando em finais de 1441, a mãe de Joana voltou a
encontrar-se com o rei em Valladolid, a
situación permanecia num impasse, apenas alguma actividade diplomatica e troca
de embaixadas entre Castela e Portugal, com o objectivo claro de dilatar qualquer
intervençao militar. No final de Fevereiro de 1442, os procuradores das Cortes, reunidas em Évora, decidiram o
destino da mãe de Joana, ordenando a confiscação dos seus bens e proibindo a
sua entrada em Portugal. Na mesma altura, o Regente atribuiu ao conde de
Barcelos o título de duque de Bragança, o primeiro dos quatro prestigiosos
títulos ducais ibéricos que devem a sua concessão a acontecimentos directamente
relacionados com a rainha Leonor, a sua filha Joana e a sua neta, a Excelente
Senhora. A partir de então o novo duque não mais voltaria a sair em
defesa da exilada.
O canto do cisne da consorte portuguesa aconteceu durante as Cortes
castelhanas reunidas, entre Maio e Julho daquele ano, em Valladolid. O rei de
Castela permitiu que a rainha se deslocasse a essa cidade para expôr o seu caso
perante os procuradores, apesar de nas suas costas boicotar as embaixadas
enviadas a Portugal pelos infantes de Aragão, que elles fingiam ser já derradeira, ameaçando que se as
tareias da rainha não se resolvessem segundo a sua exigência, o último passo
seria a guerra entre os reinos. Após este efémero consolo, a esperança de
prosperidade da mãe de Joana foi-se tornando cada vez mais pequena, na mesma
medida em que o rei de Castela, habilíssimo dissimulador, adquiria a garantia
de que o valido Álvaro de Luna, com quem permanecia em comunicação secreta,
regressaria à corte. É impossível seguir o rasto de Leonor e Joana durante
alguns meses, a partir do encerramento das Cortes de Valladolid, em Julho de
1442. Certamente que não se
encontravam na corte, perto do rei, nem no mosteiro de las Dueñas de Medina del
Campo. Talvez tivessem regressado a Arévalo, juntamente com a rainha María,
pois seria aí que, já a meio do Outono, os infantes de Aragão assinariam um
novo pacto com a rainha María e o príncipe Enrique para acabar definitivamente
com Álvaro de Luna. Um acordo que, segundo um biógrafo do príncipe, incluía
ambiciosos projectos em Portugal, que também fracassariam, graças ao jogo duplo
do rei de Castela. Nessa mesma altura, em Alcácer do Sal, feudo alentejano
do infante João, irmão do rei Duarte I, morria, vítima de febre dos pântanos (malária
crónica), o duque de Beja, cunhado mais novo de Leonor, cuja filha mais
velha, uma jovem de treze anos chamada Isabel que a partir de então ficara sob
a guarda da sua mãe, Isabel de Barcelos, primogénita do novo duque de Bragança,
desempenhara um papel alheio à sua vontade nas desgraças da exilada rainha de
Portugal. No entanto, esta jovem não se afastaria do olhar do Regente.
Conta-se que o Regente Pedro começara a imaginar para ela um destino
brilhante. A futura mãe da futura Isabel, a Católica que de virtudes da alma e perfeiçooes do corpo foy en todo compryda,
segundo Rui de Pina, passaria naquela altura a viver em Lisboa com a mãe
e a irmã
Beatriz, futura duquesa de Viseu. Em finais de 1442, os infantes de Aragão reuniram-se com Alvaro de Luna na
imponente fortaleza de Escalona, domínio toledano do condestável. Essa
reunião foi um novo golpe para as aspirações de D. Leonor de regressar
triunfadora a Portugal com a filha. Como também o seria o triunfo diplomático
seguinte do seu cunhado Pedro na Santa Sé, que reforçaria o seu papel
como regente enquanto responsável em realizar, a partir de Ceuta, única cidade que confessa o nome de
Cristo em Africa, a terceira parte do mundo, uma política de conquista
de territórios infiéis, postos imediatamente sob a
tutela espiritual da Igreja romana». In A Rainha Adúltera, Joana de
Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada,
Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
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