A Longa Espera pelo Trono
Infância
«(…) Se nos activéssemos às informações da cronística portuguesa
mais antiga, concluiríamos que deveria ter sido realmente apenas nesta lide de
Sevilha que Sancho se iniciara na guerra a
sério, pelo menos de forma bem-sucedida. É verdade que a trégua de
cinco anos que em 1173, no rescaldo
de Badajoz, tinha sido acertada entre Afonso Henriques e os mouros lhe vedara a
possibilidade de os combater até esse ano de 1178, factor que a própria Crónica de 1419 refere como uma das
razões pelas quais apenas nessa altura, e não antes, fora decidido atacar Sevilha.
No entanto, como veremos adiante com mais detalhe, esta não foi a primeira
incursão bélica de Sancho I. A documentação já menciona e comprova a
participação do filho de Afonso Henriques em expedições guerreiras em datas
muito anteriores ao saque de Triana. O facto de terem sido iniciativas não só
mal sucedidas mas ainda, e sobretudo, contra o seu cunhado Fernando II de Leão,
deve justificar a omissão destes confrontos pela cronística da época, que
certamente preferia exaltar reis vitoriosos que combatiam infiéis a reis
cristãos que se digladiavam entre si. Para além disso, quase a completar os
seus 24 anos, e por isso já muito pouco jovem, sabemos que quando se deslocou
ao Sul para a incursão que temos estado a analisar, para essa alegada iniciação
às armas, já assumira, de facto, uma parte considerável da
governação do reino há quase oito anos, já se casara há quatro anos e já, era
pai de, pelo menos, uma filha.
O assalto ao bairro de Triana parece, pois, ter sido, isso sim e antes
de qualquer outra coisa, a primeira incursão militar vitoriosa do jovem
infante, e deve ter sido essa a principal razão pela qual foi tão celebrada
pela cronística coeva e posterior, quase como o momento inaugural do seu
reinado. Mas a nosso ver, o momento que perece marcar a entrada de Sancho I em
cena no palco do jogo político de forma determinante não deverá ser considerado
o assalto a Triana, em 1178, mas antes
os meses que se seguiram ao famoso desastre de Badajoz, em 1169, quando, na sequência do acidente que lhe partira a perna, o
estrénuo rei Afonso Henriques e muitos dos seus nobres tinham sido presos pelo
seu genro e rival leonês, Fernando II. Na verdade, é a seguir e esse difícil
momento que Sancho I é realmente chamado a assumir um papel de destaque no
governo do reino, que, esse sim, deve ter alterado em muito a sua condição e
estatuto tal como até aí o vivera. Mas não são as crónicas que nos permitem ter
consciência disto, são antes os documentos régios e todo um conjunto de
constatações que nos permitem detectar semelhante viragem. O sucesso da jornada
de Badajoz deve ter agradado sobremaneira ao rei de Leão, que devia estar muito
apreensivo face ao crescendo de intervenções bem-sucedidas de Geraldo Geraldes Sem-Pavor, que entre Abril de 1165 e Maio de 1166 conseguira tomar sucessivamente Trujillo, Évora, Cáceres,
Montanchez, Serpa e Juromenha, e que se aliara tão estreitamente a Afonso
Henriques que em Março de 1169 estavam
ambos lado a lado no assédio a Badajoz e a pouca distância de efectivamente
conquistarem tão cobiçada cidade para o reino de Portugal. Fernando II marchara
até Badajoz para defrontar o português, não só obrigado pelo pacto de auxílio
mútuo que em 1168 celebrara com os
almóadas, mas ainda porque alegava que o território ocupado pelos Portugueses
entrava pelos territórios que de
direito lhe pertenciam, numa provável menção ao estipulado pelo Tratado
de Sahagún de 1159 onde o rei castelhano e o leonês tinham combinado a
repartição de toda a restante Península Ibérica pelos seus dois reinos.
O acidente do rei e a sua subsequente prisão, junto com a difícil
situação em que essa o colocou face ao reino de Leão, não só deram a Fernando
II uma inesperada vitória que ultrapassou em muito as expectativas que poderia
ter acalentado quando se deslocara até essa cidade, mas ainda dariam a Sancho I
uma forte razão para assumir uma regência talvez prematura, mas necessária. As
crónicas portuguesas e as castelhanas divergem sobre o sentido e amplitude das
consequências daquilo a que as fontes mais próximas dos acontecimentos, ou
seja, os analistas do Livro da Noa de Santa Cruz e dos Anais
de D. Afonso Henriques, compostos nos finais do século XII,
classificam, lacónica mas expressivamente, como o infortúnio de Badajoz». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O
Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN
978-972-759-978-3.
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