terça-feira, 26 de novembro de 2013

Transição de Macau para a Modernidade. 1841-1853. Maria T. Lopes Silva. «Depois da extinção da Companhia Inglesa das Índias Orientais, no ano de 1833, o Governo britânico nomeou no ano seguinte uma comissão para superintender aos negócios britânicos na China»

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Macau na conjuntura político-económica de Extremo Oriente, 1841-1844
Da guerra do ópio ao Tratado de Nanquim. Macau, uma cidade disputada por três impérios
«O primeiro conflito anglo-chinês, que decorreu entre 1839 e 1842, vulgarmente designado por guerra do ópio, acelerou o processo de transformações político-económicas que já se faziam sentir no Extremo Oriente pelo menos desde os finais do século XVIII. A cidade de Macau, que foi durante vários séculos o ponto obrigatório de passagem dos europeus que pretendiam entrar na China, começou a ser cobiçada pelos comerciantes britânicos, devido à sua localização estratégica, sobretudo a partir dos finais do século XVIII. O Império Britânico encontrava-se desde esse período numa fase de grande prosperidade, pelo que tinha necessidade de procurar novos centros consumidores. Ora, foi precisamente a partir dessa época que os mercadores britânicos passaram a ir com maior frequência ao porto de Cantão e ambicionaram mesmo possuir um ponto de apoio no Sul da China, para lhes facilitar o contacto com os outros portos do Celeste Império. Por isso, à medida que o comércio do ópio começava a representar a possibilidade de os ingleses reverterem a seu favor a balança comercial, que antes lhes era desfavorável, intensificaram as suas descargas no porto de Cantão e cresceu neles o desejo de possuírem Macau. Deste desejo nasceram duas tentativas britânicas de ocupar a cidade, uma em 1802 e outra em 1808, sempre com o falso pretexto de defenderem a cidade dos ataques franceses. Em ambos os casos as ambições britânicas não se concretizaram devido à oposição das autoridades de Macau, que estavam conscientes de que só podiam continuar a manter o Estabelecimento se respeitassem o poder chinês que, logicamente, era contra a presença de estrangeiros na cidade. Aliás, é bem provável que as autoridades chinesas tenham ajudado os portugueses a resistir às pretensões britânicas.
Mas se este espírito de colaboração existiu ao nível político-militar, o mesmo já não se pode dizer a respeito do comércio do ópio. Desde 1789 que o Governo chinês proibira por várias vezes a sua introdução no Império mas, apesar disso, este comércio tornou-se cada vez mais florescente e passou até a constituir a base de sustentação das finanças públicas e privadas de Macau. Aliás, a necessidade crescente desta droga levou mesmo os ingleses a estabelecerem um depósito volante na ilha de Lintim, no ano de 1823, chegando até a depositar alguma em Hong Kong. No entanto, os acontecimentos posteriores mostraram claramente que este facto não fez com que eles abandonassem as suas pretensões sobre Macau. Além disso, esta alteração provocou a diminuição das receitas públicas do Estabelecimento, pois os comerciantes da cidade passaram a enviar as suas mercadorias directamente de Damão para Lintim e até o Governo de Goa colaborou neste negócio.
Depois da extinção da Companhia Inglesa das Índias Orientais, no ano de 1833, o Governo britânico nomeou no ano seguinte uma comissão para superintender aos negócios britânicos na China. Para chefiar esta comissão foi escolhido lord Napier, que tinha como principal missão forçar a entrada de ópio no Império e, se possível, encontrar um ponto de apoio terrestre para os comerciantes britânicos. À semelhança do que já tinha acontecido anteriormente, a sua preferência recaía sobre Macau que, para o governo de Londres, continuava a ser território chinês. No entanto, Napier morreu pouco tempo depois sem ter alcançado os seus objectivos em Cantão e Macau e foi a partir de então que começou a ganhar consistência a ideia de se resolver o problema da introdução do ópio na China pela força das armas. Numa tentativa desesperada de evitar a entrada de estrangeiros noutros pontos do Império, o governo de Pequim investiu Lin, no início de 1839, no cargo de alto comissário imperial em Cantão e deu-lhe como principal missão acabar com o tráfico do ópio. Cerca de dois meses depois, mais precisamente no dia 10 de Março, Lin chegou a Cantão e, a partir desta altura, acelerou-se todo o processo de transformações político-económicas que temos vindo a referir e que permitiu às autoridades de Macau e aos comerciantes locais reflectirem sobre o estatuto deste Estabelecimento. Por ordem de Lin, as autoridades chinesas começaram logo por prender alguns comerciantes estrangeiros em Cantão, sobretudo britânicos, e só os libertaram depois de eles lhes terem entregue todo o ópio que possuíam. O passo seguinte foi a sua expulsão da cidade, ainda no mês de Março de 1839, e o refúgio que encontraram de imediato foi a cidade de Macau. Foi desta forma que o pequeno Estabelecimento português começou a ser mais uma vez alvo da cobiça dos comerciantes e das autoridades britânicas, desta feita com consequências mais profundas». In Maria Teresa Lopes Silva, Transição de Macau para a Modernidade, 1841-1853, Orientalia, Fundação Oriente, 2002, ISBN 972-785-035-9.

Cortesia da FO/JDACT