Macau na conjuntura político-económica de Extremo Oriente, 1841-1844
Da guerra do ópio ao Tratado de Nanquim. Macau, uma cidade disputada por três impérios
«O primeiro conflito anglo-chinês, que decorreu entre 1839
e 1842, vulgarmente designado por guerra do ópio, acelerou o processo
de transformações político-económicas que já se faziam sentir no Extremo
Oriente pelo menos desde os finais do século XVIII. A cidade de Macau, que foi
durante vários séculos o ponto obrigatório de passagem dos europeus que
pretendiam entrar na China, começou a ser cobiçada pelos comerciantes
britânicos, devido à sua localização estratégica, sobretudo a partir dos finais
do século XVIII. O Império Britânico encontrava-se desde esse período numa fase
de grande prosperidade, pelo que tinha necessidade de procurar novos centros
consumidores. Ora, foi precisamente a partir dessa época que os mercadores
britânicos passaram a ir com maior frequência ao porto de Cantão e ambicionaram
mesmo possuir um ponto de apoio no Sul da China, para lhes facilitar o contacto
com os outros portos do Celeste Império. Por isso, à medida que o comércio do
ópio começava a representar a possibilidade de os ingleses reverterem a seu
favor a balança comercial, que antes lhes era desfavorável, intensificaram as
suas descargas no porto de Cantão e cresceu neles o desejo de possuírem Macau.
Deste desejo nasceram duas tentativas britânicas de ocupar a cidade, uma em 1802 e outra em 1808, sempre com o falso pretexto de defenderem a cidade dos
ataques franceses. Em ambos os casos as ambições britânicas não se
concretizaram devido à oposição das autoridades de Macau, que estavam
conscientes de que só podiam continuar a manter o Estabelecimento se
respeitassem o poder chinês que, logicamente, era contra a presença de
estrangeiros na cidade. Aliás, é bem provável que as autoridades chinesas tenham
ajudado os portugueses a resistir às pretensões britânicas.
Mas se este espírito de colaboração existiu ao nível político-militar,
o mesmo já não se pode dizer a respeito do comércio do ópio. Desde 1789 que o
Governo chinês proibira por várias vezes a sua introdução no Império mas, apesar
disso, este comércio tornou-se cada vez mais florescente e passou até a constituir
a base de sustentação das finanças públicas e privadas de Macau. Aliás, a
necessidade crescente desta droga levou mesmo os ingleses a estabelecerem um
depósito volante na ilha de Lintim, no ano de 1823, chegando até a depositar alguma em Hong Kong. No entanto, os
acontecimentos posteriores mostraram claramente que este facto não fez com que
eles abandonassem as suas pretensões sobre Macau. Além disso, esta alteração
provocou a diminuição das receitas públicas do Estabelecimento, pois os
comerciantes da cidade passaram a enviar as suas mercadorias directamente de
Damão para Lintim e até o Governo de Goa colaborou neste negócio.
Depois da extinção da Companhia Inglesa das Índias Orientais, no ano de
1833, o Governo britânico nomeou no
ano seguinte uma comissão para superintender aos negócios britânicos na China.
Para chefiar esta comissão foi escolhido lord Napier, que tinha como principal missão
forçar a entrada de ópio no Império e, se possível, encontrar um ponto de apoio
terrestre para os comerciantes britânicos. À semelhança do que já tinha
acontecido anteriormente, a sua preferência recaía sobre Macau que, para o
governo de Londres, continuava a ser território chinês. No entanto, Napier
morreu pouco tempo depois sem ter alcançado os seus objectivos em Cantão e
Macau e foi a partir de então que começou a ganhar consistência a ideia de se
resolver o problema da introdução do ópio na China pela força das armas. Numa
tentativa desesperada de evitar a entrada de estrangeiros noutros pontos do Império,
o governo de Pequim investiu Lin, no início de 1839, no cargo de alto comissário imperial em Cantão e deu-lhe como
principal missão acabar com o tráfico do ópio. Cerca de dois meses depois, mais
precisamente no dia 10 de Março, Lin chegou a Cantão e, a partir desta altura,
acelerou-se todo o processo de transformações político-económicas que temos vindo
a referir e que permitiu às autoridades de Macau e aos comerciantes locais
reflectirem sobre o estatuto deste Estabelecimento. Por ordem de Lin, as
autoridades chinesas começaram logo por prender alguns comerciantes
estrangeiros em Cantão, sobretudo britânicos, e só os libertaram depois de eles
lhes terem entregue todo o ópio que possuíam. O passo seguinte foi a sua
expulsão da cidade, ainda no mês de Março de 1839, e o refúgio que encontraram de imediato foi a cidade de Macau.
Foi desta forma que o pequeno Estabelecimento português começou a ser mais uma
vez alvo da cobiça dos comerciantes e das autoridades britânicas, desta feita
com consequências mais profundas». In Maria Teresa Lopes Silva, Transição de
Macau para a Modernidade, 1841-1853, Orientalia, Fundação Oriente, 2002, ISBN
972-785-035-9.
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